segunda-feira, setembro 04, 2017

Paulistânias


(Vista do flat onde ora me escondo, em SP)

1

- Você é vegetariana e fuma?
- Sim, porque geralmente os cigarros não têm carne.
- Mas fumar faz mal à saúde.
- Tudo bem, não sou vegetariana por causa da minha saúde.
- É vegetariana por quê?
- Birra. Mania. Falta do que fazer.
- Mas isso não tem sentido!
- Pois é. Não ter sentido é um dos pressupostos básicos da vida. Com o tempo piora.

- É verdade que você deixou de ser de esquerda pra ser de direita?
- Exatamente. Em breve deixarei de ser católica pra ser muçulmana.
- Não entendi sua resposta.
- Ah, mas eu entendi perfeitamente sua pergunta.

- É verdade que você lançou um romance com 600 páginas?
- Não, são apenas 587.
- Nossa! E você tem tanto assunto pra falar assim, Állex?
- Não tenho não, na verdade, vou escrevendo um monte de idiotices até encher as páginas.
- ?!?!

- Você sabe o que aconteceu com as farinhas, pois não encontro nenhuma nas prateleiras, nem mesmo aquelas ruins, caroçudas e fiapentas?
- Farinha de quê?
- Farinha normal, torrada, pra se pôr na comida.
- Tem de milho, na terceira fila, à esquerda.
- Obrigada, mas de milho não serve.

- Precisava vir morar, temporariamente em São Paulo, pra me dar conta de que sou baiana e não consigo comer sem farinha.
- Você não sabia que era baiana?
- Sabia, mas nunca teve qualquer importância.
- Por que não trouxe dez quilos de farinha na mala então?
- Pois é, não trouxe!

2

"A arte do romance consiste no truque de falar sobre nós mesmos como se fôssemos outra pessoa e sobre os outros como se estivéssemos no lugar deles. E assim como há um limite para a medida em que podemos falar sobre nós mesmos como se fôssemos outra pessoa, também há um limite para a medida em que podemos nos identificar com outra pessoa. O anseio de criar os muitos tipos possíveis de herói superando todas as diferenças de cultura, história, classe e gênero - de transcender a nós mesmos a fim de ver e descobrir o todo - é um anseio liberador básico que torna atraente ler e escrever romances, bem como uma aspiração que nos faz reconhecer os limites da capacidade humana de entender o outro". Orhan Pamuk, em O romancista ingênuo e o sentimental (Trad. Hildegard Feist).


3

Em vermelho, exposição de Toulouse-Lautrec (1864-1901), no MASP. Além das casas, cabarés, camarins, retratos masculinos e femininos, e cenas entre mulheres, do artista europeu, você pode rever o acervo em transformação do MASP (Portinari, Picasso, Van Gogh, Anita Mafalti, Renoir, entre outros, que vão do século 4 a.C até 2008). Trata-se de uma exposição semipermanente, nos avisa o fôlder. Um conceito bem simples, semipermanente, você sabe, né? Como tudo mais na vida. Nos outros andares tem Wanda Pimentel e Miguel Rio Branco. E no subsolo, Pedro Correia de Araújo, de quem você nunca tinha ouvido falar, mas é a melhor surpresa do dia, um pintor de se tirar o chapéu, com uma série de imagens de mulheres negras - vão de retratos de perfis, a nus delicados, flagras cotidianos e cenas eróticas (homo, hetero e swinguers). Alguns quadros estão tapados por um pano escuro donde se lê: contém cenas inapropriadas para menores de idade. Pedro Correia de Araújo, nos informa o curador no painel, viveu entre os séculos 19 e 20, entre Brasil e França. Apropriadíssima descoberta.

4

Message to Bears, álbum Folding Leaves. É o som que desembrulha esta tarde em São Paulo. A dica eu roubei do Face do escritor Emmanuel Mirdad, há uns dias. Como sempre acontece quando roubo do varal alheio, guardo nalgum esconderijo e deixo marinando, pra só depois degustar. Esse, porém, deve ter marinado demais, pois não sei se viverei mais um segundo sem essas músicas. Baixei um, dois, três, quatro álbuns... Não, não viverei mais um segundo longe desse som.

Um comentário:

  1. Állex, que saudade de ler seus escritos! Obrigada pela "dica" do som, é realmente o tipo de coisa que quando se tem contato, a sensação de não poder viver mais sem nos invade e se inscreve. Esconder-se. Para quem pode, para quem quer ou em face de uma necessidade? Um grande e forte abraço. Allinne.

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