domingo, abril 17, 2016

Bom domingo



1. O mar de Salvador é egoísta, lindo azul-cinzento às 7h, não quer saber de guerras, se lixa pra conflitos, não tá nem aí pros que acordaram neste 17 de abril com ânsia, esperança ou medo;

2. Idem o sol, cujo namoro com as ondas do mar chega a ser indecente: se lambem, se fundem, tingindo o mundo de prata brilhante, tão cedo;

3. Esse café espresso com espuma de leite também é deveras egoísta; idem os morangos sangrentos, em círculos em cima do bolo, esperando por degustação;

4. A serenidade da vida tão quieta mas intensamente verde-alaranjada nessas folhas que as amendoeiras dispensam pelas ruas de Salvador, como se estivéssemos vivendo um simples outono e não um caos coletivo;

5. É impressionante o grau de violência contido na alegria da menina de 4, 5 anos, toda molhada de mar, que segura mão do pai à minha frente. Ambos estão voltando de um mergulho no Porto da Barra, e ela diz que está com frio, debaixo do sol das 7h30, enquanto o pai ri, compreensivo, parando a caminhada pra vestir na pequena uma blusinha com desenhos das Monster High;

6. Mas a humanidade terá jeito algum dia?, pergunta o senhor de boné à minha frente — provavelmente um interesseiro, retórico comodista — na porta da igreja de Santa Terezinha, enquanto a senhora, toda de branco, segura em seu braço e murmura vários claro que sim, George, claro que sim;

7. Ainda mais irritantemente interesseiro e comodista é o diálogo seguinte, que se materializa há alguns metros da porta da farmácia Pague Menos:
— Senhora, me dê uma ajuda pra comprar uma passagem pra minha cidade, porque perdi meu emprego, não tenho dinheiro pra voltar pra casa, blábláblá.
— Que cidade é essa?
— Itiúba.
— Onde é isso?
— Depois de Jacobina, senhora.
— Só tenho aqui 5 reais. Tome...
— Deus lhe dê em dobro.
— Viu, Deus? — diz a mulher, com cara de puro egoísmo, fechando a bolsa. — Me deve 10 reais...

8. Libertados, desde logo, das servidões queridas, libertados da necessidade das fontes, apontamos a proa o algo longínquo. Só então, do alto de nossas trajetórias retilíneas, descobrimos o embasamento essencial, o fundo de rocha, de areia, de sal, em que, uma vez ou outra, como um pouco de musgo entre as ruínas, a vida ousa florescer. [...] Então podemos julgar o homem por uma escala cósmica, observando-o através de nossas vigias como se fora através de instrumentos de estudo. Então relemos nossa história. (Saint-Exupery).

9. Talvez você também seja uma cretina, absurdamente voltada para si e alheia aos interesses do outro, pois ao voltar pra casa, depois do banho, escolhe tomar mais café, se sentar à varanda e reler Terra dos Homens, de Saint-Exupery, fumando seu cigarro, tranquila, como se vivesse mais um domingo concedido pelos Céus.

sexta-feira, abril 08, 2016

Certas coisas que aprendi com João Filho...



Há dez anos, o poeta João Filho decidiu morar comigo. Era abril de 2006, e Salvador se desmanchava em chuvas, no seu outono geralmente abafado e molhado, que nem mesmo os passarinhos sabem que é outono. Para concretizar tal decisão, ele rompeu um casamento de quase sete anos. Nunca entendi direito porque desarrumou sua vida tão bruscamente, uma vez que só tínhamos, à época, cerca de vinte dias de namoro. Namoro escondido, diga-se de passagem, já que ele era oficialmente casado. No momento em que me disse me separo pra ficar contigo, senti que ele apostava cegamente em nós, e tratei de fazer o mesmo: apostar, de qualquer maneira, sem mais delongas e a perder de vista, em nós dois. De lá pra cá, aprendo coisas que, muitas vezes, só meses depois percebo que aprendi. Sutilmente, como é próprio dos poetas, as coisas dele vão entranhando em mim e só tempos depois percebo que, naturalmente, as absorvi e que não mais pretendo abrir mão delas. Muitas coisas não posso dizer, pois há limites entre vida íntima e vida expressa. Outras, mais verbalmente possíveis, listo abaixo:

1. Não se deve desconfiar das pessoas sem motivo justo: sou Escorpião com Ascendente em Escorpião e Lua em Capricórnio, e já me garantiram que deve ser por conta de tais aspectos que não boto muita fé nas pessoas. Demoro a gostar, demoro a confiar nelas, exceto naqueles casos de milagre divino em que você põe os olhos num ser humano e uma luz se acende ao infinito. Fora isso, desconfio antecipadamente de qualquer criatura que atravessar meu campo de visão. João Filho é Aquário com Ascendente em Áries e Lua em Câncer, e não sei se há explicação direta nisso, mas, nessa área, ele é o oposto de mim, não desconfia de ninguém até que lhe provem o contrário. Tive de desenvolver o exercício da dúvida com minhas próprias impressões, pois se falo fulano é idiota, logo João Filho pergunta e o que ele fez de tão idiota assim? Se não tem realmente um fato que comprove a idiotice do sujeito ou sujeita, se é apenas impressão minha (tenho pilhas de impressões sobre as pessoas, mal elas surgem na minha frente!), mesmo que o poeta não diga nada, já me sinto "errada" ou "censurada" no meu jeito de considerar determinada pessoa simplesmente uma idiota.

2. Ouvir as criaturas de Deus, interagir com elas, dar-lhes atenção, não é perder tempo: raramente desenvolvo conversas "aleatórias" na rua. Claro que gosto de anotar os diálogos espontâneos das pessoas, meus diários são repletos de falas que roubo por aí e podem vir a compor um conto, romance, crônica, ou nenhuma dessas opções, simplesmente restarem ilustrativas nos diários que jamais publicarei. Não importa. O fato é que, embora anote tais conversas, não costumo provocá-las, não partilho dessa brasilidade irritantemente cordial, nem acho normal viver numa terra onde a gente mal dá um passo já é obrigado a interagir com trezentas e tantas pessoas. É muita tagarelice pra minha cabeça. Meu amor também não é tão brasileiro assim, mas, ao contrário de mim, se falam com ele, recebem respostas educadas, disposição pra ouvir e muitos sorrisos compreensivos. Tenho muitas passagens ilustrativas desse meu desinteresse X o interesse dele. Lá vão duas:

a) 2012, Rio de Janeiro - pegamos um táxi de um hotel em Ipanema para o aeroporto Santos Dumont. Não era longe, mas o taxista, um senhor de cabelos brancos, oriundo de algum estado nordestino (Ceará ou Piauí, não me lembro bem), estava vacinado com agulha de vitrola e conseguiu narrar toda a história de sua vida nesse trajeto. Quando descemos, respirei, aliviada, e comentei: que cara conversador! Não sabe dirigir calado! Mas meu amor rebateu: você viu que história interessante? O tempo era outro, as pessoas confiavam e ajudavam umas às outras apenas porque um vizinho indicou. Fiquei me perguntando qual vizinho, pois não me lembrava que havia um. Bem, cá está o fato: o taxista chegou nos anos 1970, no Rio de Janeiro, atrás de um amigo de um vizinho, que poderia lhe arranjar um emprego. Mal sabia o nome da criatura, mandaram-lhe procurá-la num bar em Flamengo, e assim ele fez; falou em nome do vizinho, o outro prontamente o ajudou; ele se estabeleceu no Rio, hoje tem sua casa própria, seu ganha pão, é pai de três filhos crescidos e avô;

b) gostamos de comer abará acompanhado de uma Heineken geladíssima, na Perini da Graça; é, digamos assim, um dos hábitos do casal. Certa feita, o atendimento estava lento, só havia uma moça atrás do balcão, e cerca de seis pessoas esperando. Um cliente se desentendeu com a funcionária e a chamou de uma ruma de adjetivos - incompetente era o mais light deles. O cara saiu, espumando, sem ser atendido, e a funcionária ficou com cara de choro. João Filho, imediatamente, se pôs a consolá-la, puxando conversa pra distraí-la. Logo a moça já estava rindo com algum comentário dele, e o estresse de minutos atrás sequer era mencionado. Você estava dando em cima da moça?, perguntei quando o poeta se sentou do meu lado, com os dois abarás e as Heinekens. Me respeite, Alessandra, ele rebateu. Olhei pros dois pratos de abará e achei a porção muito acima do normal. Por que tanto vatapá?, indaguei, ela exagerou, não? Vatapá nunca é demais, ele disse, guloso, se não quiser o seu, deixe que eu como!

3.Pablo Neruda pode ser um bom poeta:
- Sério? Mas Pablo Neruda é um mala sem alça!
- Também tinha restrições a ele, mas há coisas muito boas, acredite!
- Até agora só vi bobagem...
- Você está de má vontade, leia Vinte poemas de amor e uma canção desesperada.
- Ah, que nada! De verborragia basta a minha...
- Leia, você pode se surpreender.

4. A chuva é o verdadeiro estado de nossa alma e não temos nada a ver com o desastre que ela causa nas grandes cidades: sempre que chove, nos alegramos de uma alegria infinita. Somos de Bom Jesus da Lapa e lá, em geral, a chuva é rara, muito esperada, muito festejada. Em Bom Jesus da Lapa, o único ser humano que não fica feliz com a chuva é minha mãe. Minha mãe odeia chuva e também não gosta muito de som/música. Contudo, é de conhecimento geral que mãe é coisa de outro mundo, portanto, não vamos dar cabimento a esses detalhes. Acho que quem escreve vive numa eterna chuva imaginária, e, quando chove de verdade, parece que mundo interno e mundo externo estão, enfim, atados. Mas desde que vim morar em Salvador, sentia culpa por gostar tanto da chuva. Por quê?, estranhará você. Explico: porque Salvador é uma cidade chuvosa, porém, enrustida, não assume que é chuvosa, então, nas épocas de maior pluviosidade, temos de suportar o mau-humor das pessoas, além das tristes notícias de ruas alagadas, casas desabadas, pessoas mortas, acidentes, doenças várias, desastres, desastres. Sentindo-me podada na minha paixão pela chuva, confessei ao meu amor que sentia certa culpa por estar feliz e produzindo tanto, quando havia tanta gente sofrendo. Não temos nada com isso, ele decretou, tranquilamente, não é problema da chuva, mas de quem não agiu quando deveria.

5. Mas, afinal, é seu(sua) amigo(a) ou um(a) cobrador(a)? Pois então! Amigo de verdade não cobra sua presença onde você não pode estar; não lhe dá papéis que você não pediu pra desempenhar; não liga pra dizer que você não ligou pra ele; não finge que vai te ajudar apenas pra cumprir sociabilidade; não te elege parceiro de empreendimentos que ele fez sem te consultar. Tenho amigos que ficam meses sem aparecer e/ou sem falar comigo. Quando nos vemos, as afinidades e o afeto retornam com naturalidade. Mas isso não me livra de alguns escritórios de cobrança que, de vez em quando, surgem em meu caminho. Detesto que me cobrem laços, porque os entendo como absolutamente naturais. Não cobro amizade de ninguém, reconheço quando os laços se desataram ou foram cortados por alguma razão maior. Antes, me deprimia tal reconhecimento, hoje, aceito-o. Quando percebo que não estão sendo amigos comigo, que estou considerando as pessoas de um jeito e recebendo de outro, recolho meu afeto, me afasto, desapareço, bem à moda de Drummond: a poesia é incomunicável/fique torto no seu canto. Sempre gostei disso: fique torto no seu canto. É verdade, eu fico - hoje fico até muito bem. Porém, vivia a me chatear com as pessoas que vinham, tortas, me cutucar em meu canto, geralmente com cobranças. Mas aprendi com João Filho a ignorar solenemente esses cobradores. Pra ele, nunca foi problema, somente questão de reconhecer: nem eles são nossos amigos, nem nós somos amigos deles. Portanto, está tudo certo, tudo em paz.

6. Quando engordo:
- Você está linda, meu amor.
- Estou?
- Demais!
- Oxente, mas se estou acima do peso!
- Está é muito da gostosa!

7. Quando emagreço:
- Você está linda, meu amor.
- Estou?
- Demais!
- Você percebeu que emagreci três quilos?
- Claro, quando te abraço, logo percebo que sua cintura está menor.
- Ainda quero perder mais dois quilos, sabia?
- Continua muito gostosa!

Como eu disse acima, há outras coisas aprendidas, mas nem tudo pode ser dito, você bem sabe. É pra ser uma listinha leve bem leve revele à pele. Hoje contamos dez anos de união. Recebi rosas vermelhas, um espumante e uma caixa de chocolates. Decidimos oficializar esse viver juntos em setembro. Por isso, imagino que a lista crescerá embaixo das novas chuvas que virão. Que bom, não?



sábado, abril 02, 2016

Caros petistas — eternos, declarados, beneficiados, insanos, sinceros, isentos e afins



A postura abusiva de vocês já ultrapassou todos os limites do bom senso. Por isso, peço-lhes, humildemente, que atentem para algumas regras que são imprescindíveis à humanidade, independentemente de quem tem o sangue "verde-amarelo" ou "vermelho". São elas:

1. Vocês não inventaram a história, tampouco a verdade, assim como não saiu da cabecinha de vocês a noção de interpretação e perspectiva. Vocês podem, evidentemente, aproveitar as ideias foucaultianas de micro-história, micropoder e, citando Pesavento aqui e ali, trazer à tona tudo aquilo que vocês considerarem excluído dos "discursos oficiais", tudo aquilo que pode ser relacionado às histórias de vencidos e minorias. Mas isso não os transforma automaticamente em donos dessas histórias nem dessas classes, gêneros e etnias. Façam o que fizerem, usem a teoria que for, vocês continuarão sendo, na melhor das hipóteses, um pesquisador como outro qualquer. Pior: o que vocês produzem é passível de interpretação e de uso ideológico para criação e/ou manutenção de outras formas de exclusão. É injusto? Cruel que seja assim? Pois é, a vida é dura, companheiros.

2. Vocês não são donos da liberdade, nem das formas artísticas de expressão, tampouco dos nossos institutos, fundações e universidades. Não, o fato de terem lutado contra a ditadura militar no Brasil não lhes dá nenhum direito à apropriação, hoje, das instituições públicas brasileiras, inclusive porque a sua luta, vamos esclarecer, não era em prol de democracia alguma, mas da implantação de um outro regime tirânico, mundialmente conhecido como ditadura do proletariado, cujas consequências práticas podem ser analisadas através do saldo do stalinismo, da China, de Cuba, Coreia do Norte etc. As universidades públicas, as atividades jornalísticas, até mesmo a música popular, o teatro, o cinema, a literatura e demais formas de expressão, acreditem!, não têm dono. Eu sei, vocês foram (de)formados anos e anos para acreditar que esses espaços só são "bons", "autênticos" e "admiráveis" quando trazem alguma contribuição à mentalidade revolucionária de esquerda. Eu também fui educada assim. Tá tudo certo, tá tranquilo, só que non, entenderam? NÃO. Aceitem. O não faz parte do desenvolvimento do ser humano na Terra. Com o tempo, nem dói tanto assim.

3. Vocês não têm direito de usar cargos nem espaços públicos para disseminar propagandas e crenças partidárias. Quando um reitor de uma universidade pública convoca a comunidade acadêmica para uma semana de debates em que "discutirão a crise democrática" com deputados e representantes do PT, PSOL e PC do B — entre outros debatedores claramente contra o impeachment em andamento no Congresso — ele deve, antes, avisar à comunidade acadêmica e povo em geral que está usando um cargo público numa instituição igualmente pública para uma semana de PTocracia ou, se quiser ser mais plural, esquerdocracia. Isso não tem nada a ver com debate acadêmico, tampouco com democracia. É uma reunião para quem comunga da mesma opinião política. Poderia ser realizada, inclusive, na casa de algum dos participantes, onde (imagino!) o dinheiro público ainda não está custeando a luz, a água, o cafezinho etc. Isso é abuso de poder e falta de ética, não condiz com a postura de um servidor público. Igualmente ocorre abuso de poder e falta de ética quando:
a) um funcionário do Itamaraty manda telegrama oficial às embaixadas avisando que haverá golpe no Brasil;
b) a diretoria da ABRALIC envia e-mail com slide em prol de Dilma para os professores que estão cadastrados na associação;
c) colegas usam essas mesmas listas acadêmicas para enviar textos de pensadores petistas e manifestos em prol da manutenção desse governo;
d) colegas dão replay numa comunicação ordinária do departamento para enviar, coletivamente, uma convocação para passeatas e debates em prol do governo federal;
e) pessoas que estão em cargos de representação cultural nos enviam convites para participar de ato público pseudo-democrático — leia-se, em defesa de Dilma, tal dia e tal hora, em Salvador, no Campo Grande.

Sei que a ética de vocês é tão relativa que devem achar isso natural, democrático e de direito. Mas peço que façam um exercício simples de inversão: e se alguém usasse esses mesmos espaços com mensagens contrárias ao PT? Se alguém lhes mandasse convite para ir às ruas se manifestar de verde-amarelo em defesa da Lava Jato, do impeachment e da salvação de nosso País? Vocês achariam democrático? Pois é, pois é. Democracia tem disso: a gente é obrigado a tolerar diferenças, mas não abusos.

4. O amor que vocês têm pelo Lula não faz dele o melhor presidente de toda a história brasileira, e mesmo se o fizesse, ser um bom presidente não é justificativa para cometer crimes. Querem pensar idiotices assim? Pensem até queimar os neurônios, mas deixem o resto das pessoas acompanhar, em paz, o que está sendo levantado, gradativamente, pelas investigações, a saber:
a) corrupção generalizada;
b) enriquecimento ilícito;
c) formação de quadrilha;
d) tentativa de influenciar o STF;
e) intimidação do Ministério Público Federal;
f) apropriação de dinheiro público;
g) aparelhamento da Petrobras, BNDES, entre outras instituições públicas;
h) envolvimento no assassinato de Celso Daniel.

Ah, não tem nada provado contra Lula? OK. Em toda investigação, toma-se o que se chama indícios até se chegar às provas. Por não ter nada provado é que ele está sendo INVESTIGADO e não PROCESSADO. Tenham fé, torçam, respirem fundo e aguentem: é uma longa investigação em curso. Chamar o juiz Moro de vendido ao PSDB não vai auxiliar em nada, gostando ou não, a investigação continuará. O mais importante é entender que o mundo é difícil, companheiros! O mundo é concreto e nem sempre funciona como uma extensão de nossas emoções e afetos, por isso, o fato de vocês gostarem tanto desse político não invalida nenhuma investigação de suas ações. Querem protegê-lo? Levem-no para casa de vocês. E se acaso chegar o tenebroso dia em que o juiz Moro mandará tocar sua campanhia com a ordem de prisão para esse seu político tão idolatrado, querido, de estimação, não se desesperem. Mantenham a calma, acompanhem-no à porta da cadeia, abracem-no e prometam voltar todos os dias de visita. Nesses dias, levem maçãs, suco de laranja, uvas, castanhas, arroz integral... enfim, a comida da prisão não é boa, vocês sabem. Ainda haverá muitos recursos, anulação de prova X ou Y, diminuição da pena por bom comportamento ou por colaboração à justiça, permissão para cumprir a pena em regime domiciliar, uso de tornozeleira... ufa! Não tem nada mais longo e complexo do que a nossa justiça, certo? Então, para que esse desespero infantil? Deixem disso! Olhem o pessoal do mensalão aí, quase todo mundo já está solto. Bandido no Brasil, se tem dinheiro, quase sempre se dá bem. Tá tranquilo, tá legal.

5. Parem com essa antipatia de acusar os outros de ódio e polarização. A construção do ódio, e consequente racha do País em "nós" e "eles", não é uma artimanha da direita, nem do PSDB. É uma estratégia criada por João Santana na última eleição de Dilma. Essa estratégia foi agora ressuscitada pelos bloguistas, artistas, faceboquistas e demais defensores do governo. O problema é que essa é uma estratégia de risco, assim como ocorreu na eleição, quando o candidato Aécio — carente de ideias e dono de uma das piores campanhas de oposição que já presenciamos — simplesmente aproveitou a deixa de João Santana e passou a responder com igual emotividade às polarizações Nordeste X Sul-Sudeste, ricos X pobres, brancos X negros, mulheres X homens, homossexuais X heterossexuais etc. Essas animosidades sempre existiram no Brasil? Mas é claro, meu bem! Porém, elas nunca foram usadas tão sistematicamente em prol de um candidato ou partido. Deu certo? Deu, a presidente foi reeleita. Houve risco? Houve, foram 54.501.118 (51,64%) contra 51.041.155 (48,36%). Não sei por que vocês querem trazer de volta essa estratégia de risco numa situação que nem é de eleição. Todavia, ressalto que a questão do Bem X Mal é muito complexa, e se vocês não estão preparados para revanches, se não entendem que a criatura pode se voltar violentamente contra o criador, então, não deveriam ter comprado a ideia. Sim, o feitiço vira contra o feiticeiro repentinamente, é da condição humana, não tem jeito. Mesmo se vocês pedirem aos cinco ministros, que Dilma disse ter no Supremo, para legitimar o uso unilateral e estratégico do ódio unicamente pelo PT, o povo é danado de teimoso e não vai atender. Colocar em cima dessa estratégia aquela outra de Lênin (acusem seus inimigos daquilo que você faz) não vai funcionar no meio de ânimos tão acirrados. O monstro se ergue da noite pro dia, sabem? Se não aguentam, não desçam pro play, porque muitas brincadeiras matam.

6. Vocês não têm direito de levar representantes do MST para disseminar ameaças no Planalto. O Planalto está apenas ocupado pelo PT, mas não é propriedade do PT. É um espaço da União. Cuidado, prometer invadir a casa das pessoas é crime. Tanto se essa promessa for feita ao lado de Lula, em palanques, quanto se for ao lado dessa mesma presidente eleita pelo voto direto e que, na cabeça de vocês, não merece impeachment. Não é a primeira vez que são divulgadas ameaças de violência, greves, invasão de casas e instituições, se Lula for preso e Dilma for deposta. Vejam, as pessoas já estão respondendo verbalmente a isso nas redes sociais. Há chefes de família ostentando seu porte legal de arma e dizendo: pode vir MST. A sede do PT foi atacada três vezes. Que acontecerá depois? Fortalecimento da Bancada da Bala no Congresso? O que querem com isso? Nos dizer que o MST tem tanques, tem armas e recolocará no cargo uma presidente deposta pelo Congresso? Estão alertando ao povo brasileiro que vocês têm acesso a um poder paralelo? É isso? Devemos, assim que o impeachment ocorrer, se ocorrer, botar as forças armadas e demais polícias na rua? Vamos nos preparar antecipadamente? Olha que a brincadeira cresce, cuidado! Crianças sem educação e longe dos pais são danadas pra causar acidentes fatais.

7. Guardem seus amiguinhos isentos exclusivamente para vocês. Ninguém quer saber deles. Essas pessoas que começam a abordagem explicando que não são petistas, muito pelo contrário, só não acham certo dar o golpe numa pessoa eleita pelo voto direto (claro, imagino que já existiram muitos impeachments contra presidentes não-eleitos pelo voto direto no Brasil). Sim, não são petistas, mas entram sem a menor cerimônia em nossos posts e caixa de e-mails para divulgar não apenas um argumento imbecil de Gramsci ou Paulo Freire, mas um texto de um professor jurista muito estudado, de um sociólogo de renome, um artista popular consagrado, um economista de prestígio que, pasmem!, também não veem motivo para impeachment. Ora, não veem motivo para impeachment! Pois comprem um par de óculos, meus caros. Façam cirurgia de catarata. Aprendam braile. Peça a um bom cristão pra ler todo o processo jurídico pra vocês. Não vê?, problema seu, eu vejo. Mas não me venham com essa isenção política criada por Duda Mendonça quando quis fabricar o Lulinha paz-amor. Sim, eu também era eleitora de Lula e achei maravilhoso. A gente se concentrou em pegar depoimentos de pessoas sem passado na esquerda nem na direita, pessoas não-petistas, isto é, isentas, mas que iriam dar um voto de confiança no Lulinha, iriam apostar na esperança. Agora, em época de crise, trouxeram essa beleza de raciocínio de volta. É excelente. Muito melhor do que o do enfrentamento que gera um racha no País. Se eu ainda desse aula de redação publicitária, usaria esses exemplos, dariam boas discussões. Mas, enfim, já conhecemos esse filme, ninguém está interessado, OK?

Observando essas regras básicas para o bem do povo e felicidade geral da nação, vocês têm meu total respeito. Continuem. Lutem, lutem. Mas não esqueçam a ética, não furem a lei, não abandonem a decência. Lutar é um direito que lhes cabe. Boa sorte. Vão em paz.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...