terça-feira, dezembro 13, 2016

Série: a difícil-incrível arte de viver - parte III



PRATICANDO O ADEUS

1. Descobrir, dia após dia, que tudo aquilo que foi construído na terra do oba-oba, do mero coleguismo, da superfície dos afetos fáceis não finca raízes. Amigos de sala de aula (quando você ainda se graduava), amigos circunstanciais, amigos de afinidades culturais, amigos de enganos ideológicos onde você já não perambula.

2. Mais: descobrir que você andou a chamar de amigo pessoas que apenas gostam de livros, discos, quadros e filmes dos quais você também gosta. É perigoso entender o erro posto nisso. Mas, sim, você deve estar disposta a perceber o certo mesmo quando esse te leva ao perigo.

3. Descobrir quem sobrevive e quem se esfarela sob a máxima aristotélica: amigo é aquele com quem se tem afinidades profundas. Esses, graças a Deus, existem e são poucos e você os tem com rosto, nome e verdades na eternidade dos dedos de uma só mão. Não é desses que você ora fala, não é para esses que você está aprendendo a dar adeus.

4. Aqueles outros que pareciam tão importantes em seu passado e hoje estão se tornando a sombra de alguém conhecido num evento, alguém a quem se acena num shopping, alguém que ocupa um perfil no Facebook, de fato, jamais tiveram afinidades profundas contigo. Vocês se aproximaram devido à cegueira extraordinária da vida, e ora se distanciam por causa da clareza imperdoável dela. Então, como diria Elizabeth Bishop, "dói quase nada perdê-los".

5. Perdê-los? Não há drama, não há alarme nisso: vocês irão se cumprimentar quando houver encontros por aí. Dirão, educadamente, que bom te ver e educadamente falarão em marcar um café, um chope, sem, contudo, acreditarem nessa necessidade de marcar um café, um chope. Lembrarão, talvez, do aniversário um do outro. Podem até manter o número do whatsapp pra qualquer eventualidade social. E se acaso souberem que o outro está a precisar de ajuda, ajudar-se-ão, naturalmente, voltando depois ao conforto dos quilômetros de distância que a vida sabiamente deu de presente a vocês.

6. Descobrir mais: isso é um bem. Isso é vivo. Antes você jamais entenderia o tanto de liberdade que há nessas perdas. Que leve é poder perder o que só fez casa na superfície do passado, não? A memória, reiventada, justificada, até deu de cantar nos últimos meses.

7. Praticando o adeus, você agora tem espaço para as novas promessas de amizade que vão cercando os dedos da outra mão, ainda sem eternidade, verdades, nomes, rostos. Mas antes de abrir a porta, lembre-se: Aristóteles está com eles? Sim ou não?

domingo, novembro 06, 2016

Série: a difícil-incrível arte de viver - parte II



DO QUE FICA NAS VIAGENS

1. Duas horas andando na noite lusitana pra se perceber: Salvador e Ouro Preto me estragaram as vistas, pois todo pedaço de Lisboa me lembra algum lugar onde já estive. Lisboa, no entanto, é mais limpa. Tudo é velho e tudo funciona muito bem (estranho axioma para uma brasileira). Mesmo diante da sensação de que virando a próxima esquina vamos sair no Santo Antônio soteropolitano, andamos sem cessar. Pense que é possível andar na Baixa dos Sapateiros às 23h. Sendo esta Baixa limpa e organizada. Pense que nela há - em vez de comércio fechado, lixo nas calçadas e pessoas te ameaçando - um vento de outono, sangrias vistosas em jarros transparentes, burburinho de palavras cujo significado te escapam e restaurantes com cadeiras na porta. É quase isso.



2. O café da manhã no Borges Chiado não é nem de longe o maravilhoso café a que estamos acostumados nos hotéis do Brasil. Há três ou quatro tipos de frutas, todas inteiras e com casca, dois tipos de iogurte, pães estupendos, dois tipos de feijão sem caldo (feijão?!), uns ovos mexidos feios tão feios, ovos cozidos ainda com a casca, linguiça, pepino e tomate. Volte e novamente registre, pasmada: pepino e tomate?! Sim, alguém os come pela manhã, supõe-se! Mas café da manhã em hotel é detalhe menor, porque se come divinamente bem e barato em qualquer canto da cidade.



3. Estamos naquela passagem bíblica da Babel, quando todas as línguas do mundo são ouvidas, e a mente, tensa, quer codificá-las: isso é francês; aquilo é alemão; inglês, claro, inglês nunca há de faltar; quero saber quando falarão o português de Portugal... Agora ficou bastante estranho, será alguma variação do alemão? Esses senhores são bochechudos e rosados, russos ou poloneses? Consoantes, consoantes, ainda bem que não falo essa língua, ficaria cansada no fim do dia, não há nada mais cansativo do que atravessar uma sequência de consoantes; agora obviamente é espanhol, um espanhol um tanto mais difícil, decerto, europeu; de repente, palavras conhecidas no meio do oceano: "poxa, eu queria mesmo era um suco de limão", brasileiro, óbvio, parece carioca; mas brasileiro não vale, quero ouvir os lisboetas, afinal, onde estão? Esse espanhol é mais fácil, deve ser das Américas, cristalino como água, chileno? Opa, italiano, ah!, italiano!, esse ritmo com que abrem as vogais; japonês, tenho certeza, não vi aquele mundo de filmes em vão... Que vem a ser isso, meu Deus? Outra língua oriental? Árabe? Se seguirmos o esterótipo visual, provavelmente árabe... Mas espere: quando falarão o português de Portugal?



4. Fernando Pessoa espalha-se por todos os cantos, em estátuas, dizeres, camisetas, canecas, chaveiros, ímãs, mas no Largo do Carmo alguém exagerou: em todas as janelas de um prédio antigo há imagens de Pessoa. Desenhos na vidraça, com tinta preta e figuras a partir do que parece ser um aramado(?). João Filho fotografa. Seguimos as janelas e damos com uma porta lateral, onde há mais Pessoa retratado. Concluímos ser uma fundação ou uma exposição sobre o poeta, embora não haja qualquer identificação. A porta está entreaberta. Entramos. Numa antessala, há uma estátua de Pessoa, sentado, uma escrivaninha, máquina de datilografia, cadernos, cadernetas, livros, quadros. A luz é esverdeada e ao lado do poeta há uma cadeira vaga. Me sento e converso com ele. João Filho tira fotos. Seguimos por um corredor. Há mais portas de vidro e a cada porta que passamos mais representações: de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis... Na sala principal, um senhor careca está sentado e lê um livro. Quando nos vê, se volta e indaga se pode nos ajudar. João Filho explica que fomos atraídos pelas imagens de Fernando Pessoa, como a porta estava entreaberta, julgamos que era um museu ou fundação. O senhor nos olha com reprovação, balança a cabeça e diz: não, isso é uma Gestalt, logo, não deveriam estar aqui, pois é para convidados. Espantados, pedimos desculpas e saímos, às gargalhadas. Na saída, avistamos um grupo enorme de turistas que também vinha atraído pelas imagens pintadas nas janelas. Falavam em inglês e obviamente iriam repetir o nosso erro. Pensamos em avisá-los: é uma Gestalt, só entrem se forem convidados. Depois repensamos: quer saber? Aquele senhor que ponha um cartaz avisando dessa restrição. Quer deixar tudo escancarado numa cidade que recebe hordas de turistas diariamente e não ser incomodado? Fosse no Brasil, até a careca dele seria roubada. Mas que diabo é uma Gestalt?, resmunga João Filho, indignado.



5. Não sei o que falar dos monumentos, do Mosteiro dos Jerônimos, da Torre de Belém, do Padrão dos Descobrimentos, do Castelo de São Jorge, da Catedral da Sé. Realmente: não sei. Você, se os conhece, que me diz?



6. Em Braga, a irmã do poeta Sebastião Alba nos mostrou uma Catedral que tem pouco mais de 900 anos. E ela aponta e fala num tom absolutamente normal: 900 anos. Tá, venho de um país que tem 500, que devo dizer? Para com isso?



7. Os diálogos roubados me apaixonam e sempre volto com páginas deles. Na Alfama, uma senhora falava ao telefone:
- Pois não quero que ela fique ressentida, ao contrário, desejo que seja livre, e que fique com muitos gajos também.
(Com muitos gajos?! Que desejo formidável pra se direcionar à outra criatura!)
Na fila da exposição de Joan Miró, uma menina de oito ou dez anos, parecia chateada e falava com a mãe:
- Mas eu preferia ver o Goya!
E a mãe, com enfado:
- Disso eu já sei, não é preciso repetir!
(Eu quis gritar à menina: eu também preferia o Goya, querida!!!)
Um cego, na rua Garret, nos pede passagem:
- Vós que estais à frente, deixai-me passar, por favor.
E o morador de rua:
- Uma ajuda a mim é possível a vós?
Reclamei com João Filho: olha essa sintaxe, quando eu for escrever isso no meu diário, não saberei onde pôr a vírgula. Não tem vírgula, ele rebateu.
Mas numa livraria do Porto, nasceu meu diálogo roubado preferido de todos, ao telefone, o livreiro dizia:
- Não, não me mande esse, porque estou a preferir traduções de poetas, e esse senhor não me parece ser um poeta, logo, esperarei sair a tradução do senhor Pinto, porque este, sim, é um poeta.
(Que critério excelente, pensei! Não sabemos quem é o senhor Pinto, pena, não? Quando teremos um raciocínio tão claro assim?)






segunda-feira, outubro 31, 2016

Série: a difícil-incrível arte de viver: parte I



DIZENDO SONOROS E REDONDOS "NÃOS"

1. Há pessoas que querem que você acredite que uma "aberração democrática" é melhor do que um idiota financiado pela fé de grupos cristãos. Essas pessoas se consideram inteligentes, juram que conhecem a verdade, sabem o que é certo não só para si mesmas, mas para a capital mais linda do País.

2. Por causa da crença nessa sabedoria-própria, passam meses fazendo "memes" e lançando frases ora maldosas, ora catastróficas nas redes sociais. Elas querem disseminar o pânico numa classe média-ideal, a que elas pertencem, mas, esquizofrenicamente, acham que não. Tudo vale, a fim de impedir que o pastor babaca vença o bandidinho vermelho. Nessa "causa carioca", elas têm, sim, e muito, o apoio em peso da mídia, mas fingem que não.

3. Aí o mundo gira, porque lhe é próprio girar, e acordamos numa segunda-feira belíssima, quando as amendoeiras e os passarinhos mais nos comunicam a primavera. A luz da vida é tão cristalina que nossos olhos, ao sair à varanda, lacrimejam. Antes do café, é preciso um banho, para só então abrimos, um a um, os canais de notícias, e sermos devidamente avisados que o Rio de Janeiro disse "não".

4.Não é não. Diante dele, às crianças restam o choro; aos adultos, a dignidade do respeito, da aceitação - esse mesmo respeito e essa mesma aceitação do outro que as tais pessoinhas tanto pregam que defendem, que conhecem, que praticam, mas que, curiosamente, desaparecem num piscar de olhos de suas cabecinhas e comportamentos, basta que o mundo concreto seja diferente daquele idealizado por elas.

5. Dentro da difícil-incrível arte de se viver nesse velho mundo, percebemos, de sobrancelhas arqueadas, que essas pessoinhas inteligentes e donas da verdade, além de não aceitarem um "não", ainda querem vomitar ressentimento e palavras amargas contra o Rio de Janeiro. Devem ter mentalmente 4 ou 5 de idade, por isso, choram, esperneiam, agridem, falam em luto no Facebook. Algumas ofendem diretamente os cariocas, outras, querendo soar irônicas, lamentam e desejam coisas ruins ao Rio. Sim, serão quatro anos de miséria, catástrofes, violência (mais?), sabe-se lá. Profetizam o apocalipse à cidade maravilhosa, porque o bandidinho acéfalo perdeu e o pastor babaca ganhou.

6. Tudo bem, nós entendemos: não levaram aquela bronca no shopping center, há anos, quando gritaram por tal brinquedo diante de pais constrangidos; sem limites, cresceram achando que o mundo tem obrigação de suportar seus calundus e sua dificuldade de raciocínio. Tudo bem, tudo bem, vamos fazer vista grossa, dar um tapinha na cabeça e pacientemente dizer: calma, respirem direito, amanhã ainda vai ser pior que hoje, tenham calma.

7. O Rio de Janeiro, Beleza-plena, Beleza-infinita, não ouvirá essas gralhas ao seu redor. É um lugar que guarda fragmentos de quando o mundo era perfeito, e de sorte não tem ouvidos, tampouco guarda mágoas. O Rio de Janeiro tem apenas uma boca coletiva, e essa está dizendo "não". Um não sonoro e redondo. Um "não" que é seu, por direito.

quarta-feira, agosto 17, 2016

Aperitivo



[...] Eros voltou a ser simpático: explicou, brevemente, que veio atendê-los em função de as correntes de orações deles estarem cada vez mais fortes e sistemáticas. O certo seria um dos guardiões vir, ponderou, mas, por razões adversas, que não poderiam ser mencionadas naquele instante, foi solicitado a ele que viesse.
— Você não é um guardião? — perguntou Ramiro, meio decepcionado.
— Não — respondeu Eros. — Ainda não sou.
— Quem é você, afinal? — questionou Maria Madalena, impaciente.
— Um leitor — afirmou Eros. — Um leitor profundamente agradecido pelos ensinamentos do Livro-Real, embora metade deles ainda esteja sendo digerida por mim.

Bastou mencionar sua condição de leitor do livro tão almejado, pros quatro amigos mudarem completamente de atitude. Entreolham-se, maravilhados. Ah, então, é leitor do Livro-Real!, disse Ramiro, levitando de satisfação. Alguém ouviu as preces do grupo e o mandou ao encontro deles, pensou Gustavo. Os quatro se desdobraram em perguntas. Gus-tavo queria saber qual era o tamanho do Livro-Real, quanto pesava, em que língua foi originalmente escrito, quem o traduzia, quem o editava, quem definia a ordem dos leitores. Ramiro perguntou quanto tempo ainda aguardariam na fila a fim de ler a obra. Vicente indagou por dados específicos: havia técnicas de meditação eficazes no Livro-Real? Alguma espécie de manual ou passo a passo pra iniciantes? Alguma postura nociva a ser evitada por quem espera ser escolhido pra leitor? As perguntas de Maria Madalena foram mais específicas ainda: de que forma se comunicavam os leitores e guardiões do Livro-Real? Quem decidia o próximo leitor? Quando Eros fora escolhido? Quantas cópias do Livro existiam no mundo? Qual a média de brasileiros que logravam acesso ao Livro-Real?

Eros sentia a cabeça formigar. Engoliu meia garrafa de água mineral. Procurou responder a cada uma das perguntas rápida e pontualmente: o Livro-Real tinha o formato de 31 X 21, se assemelhando a um desses livros de fotografia ou pintura; era pesado, não se lembrava quanto, mas devia ultrapassar dois quilos, por isso, não era bom andar com ele pra lá e pra cá, o ideal seria que fosse lido em casa; não tinha a menor ideia de quantos brasileiros leram o Livro-Real, não foram feitas estatísticas; seu conteúdo foi escrito simultaneamente em todas as línguas existentes à época de sua primeira materialização, que deve ter sido, provavelmente, na Antiguidade... Bem, bem, ele não pode afirmar com certeza em qual tempo fora escrito; os avatares o traduziam pras línguas modernas, mas ninguém tinha contato com tais entidades; quanto à edição, ninguém sabia detalhes acerca desse processo, mas a cópia a que Eros teve acesso era excelente, revelou; na prática, eram os guardiões quem definia a ordem dos leitores, entretanto, isso era mera convenção terrestre, pois a única lei usada pra gerar uma lista de leitores era a velha máxima de que quando o discípulo está pronto, o mestre naturalmente surge, ou seja, a única regra a ser observada seria a da aptidão do candidato pra receber tal conhecimento; por essa razão, não podia dizer quanto tempo concreto eles aguardariam na fila, contudo, podia desfazer um erro comum nas orações e correntes deles: a insistência pelo coletivo, isso, sim, atrapalhava a percepção dos guardiões, afirmou.

Os amigos se assustaram frente à revelação. Maria Madalena, mesmo entendendo a informação, quis esmiuçar:
— O que você quer dizer com isso? Que não devemos buscar o Livro-Real em grupo, mas cada um por si?

Em vez de responder, Eros voltou a beber vagarosamente sua água mineral. Terminou, gesticulou pedindo outra ao garçom.

— Os guardiões são contra o coletivo, é isso? — insistiu Maria Madalena.

— O que há de errado em nossas orações e correntes? — perguntou Gustavo, um tanto revoltado.

— Não há nada errado — respondeu Eros, cuidadoso. — Podem, evidentemente, continuar com elas. O que me pediram pra explicar é que... Bem, são bons exercícios, tá tudo certo, vocês criam uma atmosfera de busca, mas na prática, enquanto buscadores, vocês não devem se restringir a esses encontros. Cada um deve buscar o conhecimento de forma individual, porque o percurso de cada um é único, estamos numa era individual, en-tendem? E o mais importante: vocês não estão no mesmo nível de vibração, então, não adianta, se reúnem, oram, fazem pedidos, rituais, mas depois disso cada um retoma sua frequência...

— Não entendo nada do que você diz — murmurou Gustavo, profundamente decepcionado, pois era um dos mais simpáticos às reuniões do grupo. — Deveríamos ser parabenizados por conseguirmos, num lugar árido como Bom Jesus da Lapa, mais afeito a cachaça e maconha, nos reunirmos em torno de um objetivo maior. Em vez disso, somos criticados e aconselhados a apostarmos no individualismo, o mesmo individualismo que, em todas as épocas, foi empecilho pro crescimento espiritual! Afinal, o que os guardiões têm contra a coesão social?

— Até onde sei, os guardiões não têm nada contra a coesão social — pontuou Eros, mantendo o mesmo cuidado de antes, sentindo-se cada vez mais uma espécie de irmão mais velho daqueles quatro. — E mesmo que tivessem, não seria o caso. Vocês não formam uma coesão social.

— Claro que formamos — sustentou Gustavo, encarando Eros.

— Não — reafirmou Eros, mantendo o olhar. — Não há coesão social entre você, que é herdeiro de vários imóveis, estuda na capital, recebe gorda mesada dos pais, e Vicente, que terminou o segundo grau com muito esforço, ganha um salário de vendedor de sapa-tos e precisa somá-lo às costuras da mãe pra sustentar a família. Qual coesão social haveria entre sua prima Ioná, também herdeira de um bom patrimônio, que logo será aumentado pelos lucros da profissão da excelente advogada que ela, em breve, será, e Maria Madalena, aqui presente, cujo salário de recepcionista na única clínica oftalmológica da cidade mal dá pros remédios da mãe? Que coesão social há entre Hendrix, que já ficou dias sem ter dinheiro sequer pra se alimentar, e Ramiro, que não se levanta da cama por desprezo à vida cotidiana, mas tem a geladeira cheia de comida que, inclusive, ele mesmo joga no lixo?

Maria Madalena quase enfartou de susto ao perceber detalhes da vida dela e dos a-migos na boca do desconhecido. Ramiro abaixou a cabeça, deveras constrangido. E Vicente, pra quebrar o gelo, comentou que Hendrix não era do grupo deles, aliás, até onde sabia, Hendrix jamais fora a Bom Jesus da Lapa.

— O que você está querendo nos dizer? — indagou Gustavo, ríspido. — Que pra sermos escolhidos como leitores do Livro-Real temos de passar ao culto do individualismo, cada um por si e Deus contra todos, é isso?

— Não. Cada um por si e Deus por todos — tornou Eros, calmo. — O que quero dizer é que vocês são um grupo unido por afinidades culturais e afetivas, alguns até por laços de sangue, mas, no máximo, poderíamos falar em coesão afetiva, nada a ver, portanto, com coesão social. [...]

Lançamento "Não se vai sozinho ao paraíso", 20/08, às 17h, no Café do ICBA (Corredor da Vitória)

quarta-feira, junho 29, 2016

CANCELADO!


Pessoas queridas:

aviso que o lançamento do meu romance "Não se vai sozinho ao paraíso", marcado para dia 05/07, foi CANCELADO, pela Editora.
Quem tiver interesse pode adquirir o livro no site da editora (que o enviará a partir de 06/07):

http://www.mondrongo.com.br/index2.php?pg=noticia&id=108

Se preferir pessoalmente, o livro estará disponível no evento FLICA NA CAIXA, na Caixa Cultural, dia 09/07. Estarei na mesa Resistência na Literatura, com participação de Edney Silvestre, e mediação de Malu Fontes.

O livro também será vendido após dia 10/07, na LDM e Livraria Boto (Barra).

Peço desculpas e agradeço a divulgação e carinho de todos vocês!

segunda-feira, maio 02, 2016

O homem sem qualidade



1. Nas minhas andanças pelo cinema inverossímil da vida, assisti, perplexa, a um diálogo entre duas irmãs, enquanto esperava minha vez de fazer as unhas, num salão. Nunca me esqueci desse diálogo e posso reconhecer suas protagonistas em qualquer lugar, por mais distante que esteja, hoje, da cena. Foi algo muito singular, mas quem conhece Salvador não vai se surpreender. Era um salão popular, e eu me recordo que ainda morava num quarto e sala, no Canela. Anotei esse diálogo, bem como seu contexto, em meu diário, assim que cheguei em casa, ansiosa por não perder nenhuma parte da experiência — plena de absurdos e falas tão espontâneas que logo pensei: darão um ótimo conto.

2. Não deram. De lá pra cá, tentei fazer literatura com esse diálogo uma meia dúzia de vezes. O resultado era bestinha, despido de qualquer traço da ironia deliciosamente esquisita que ouvi no salão. Revoltada com as leis da escrita — por vezes inegociáveis, quando não sádicas —, fiz aquilo que nossas avós costumavam aconselhar: larga isso de mão, menina. Pois bem, larguei! O uso máximo que fiz da história presenciada foi contá-la pra algumas amigas que, desconfiadas, riram, pensando que era invenção minha (elas nem disfarçam que pensam descaradamente isso de mim).

3. Mas ontem descobri o diálogo outra vez, por acaso, quando peguei erradamente uma agenda já preenchida e, por curiosidade, me pus a reler seu conteúdo. Você, obviamente, está aí de orelha em pé sem entender patavina. Não se preocupe, eu explico: embora eu escreva direto no laptop, jamais consegui escrever meus diários em tela. Escrevo-os a caneta, normalmente à tarde, ou, por vezes, deixo acumular dois, três dias, então, me sento na varanda, devoro uma caneca de café, dois cigarros, e repasso tudo. A mão. Em cadernos, blocos ou agendas.

4. Como assim agendas?, você perguntará. Pois é, por alguma razão desconhecida, todo ano as pessoas me dão duas, três agendas de papel. Tempos atrás, percebi que havia uma verdadeira papelaria em minhas estantes. No dia a dia, não costumo anotar nada em agendas — anoto meus compromissos mais importantes diretamente no calendário; os menos importantes, em papéis avulsos que logo jogo fora —, então, foram se avolumando agendas de quatro, cinco anos atrás, intactas, algumas já mofando. Resolvi usá-las pros diários e, a partir daí, tudo ficou mais dinâmico, pois quando acabo uma, logo tem mais quatro ou cinco à espera (as pessoas continuam a me dar agendas em novembro, vá entender).

5. Muitas vezes, por preguiça, acabo um diário e me esqueço de colocá-lo na caixa, encerrando-o no limbo das traças e do mofo (meu apartamento é muito úmido, mas já decidi que o amo e não vou me mudar daqui). Quando largo os diários-agendas pelos cantos, Luciene, nossa empregada, que está comigo há mais de quinze anos, os guarda nalgum lugar que ela considera adequado. Pode ser na estante dos livros de teoria e crítica, ou na de romances e afins, no meu criado, atrás das bolsas ou de uma pilha de CDs que por acaso eu disse pra ela não mexer. Nas estantes de poesia ela nunca os põe — provavelmente porque já entendeu que são as estantes de Seu João.

6. Me deparei com o diário-agenda na estante e logo o julguei novo, fui abri-lo pra iniciar novas anotações. Mas, surpresa!, ele não apenas estava preenchido, como era muito velho. De onde brotou esse troço?, foi o que pensei, sem compreender a razão de não estar na caixa dos diários, dormindo com os outros. Devia estar há anos ali, enfiado entre o I Ching (que sempre tive preguiça de consultar) e a biografia de Thomas Mann (que jamais terminei, porque o sujeito biógrafo fala mal do objeto biografado, e eu tomei um ódio mortal dessa criatura que ousa falar mal de Thomas Mann). Folheei o diário, curiosa pra saber que gente era eu nesse mundo pretérito, e me deparei de novo com esse diálogo.

7. A manicure trabalhava e repreendia a irmã (que me pareceu senão a caçula, ao menos mais nova do que sua repressora). Uma era negra e forte, a outra, dessas morenas claras, pequenas, tipicamente baianas. A mais clara e mais nova estava chorosa, sentada num banco. O salão estava quase cheio, mas ambas ignoravam isso. Quando entrei, a conversa já rolava, e a mais velha dizia: — Você não tem que conversar, não tem nem que tomar conhecimento que esse indivíduo vive, entendeu? Enquanto dava esses conselhos, que mais pareciam ordens, ia tirando o esmalte da mão da cliente, que apenas sorria, sem participar da conversa. A mais moça rebateu, com voz de choro que estava pensando em ouvir o que ele tinha pra dizer. Não!, enfatizava a manicure, não tem que ouvir nada! Pra quê? Esqueça esse homem, é um traste que não serve pra nada! A irmã mais nova disse baixinho que gostava do rapaz. Gente, foi ela dizer isso e a interlocutora espumar! Parecia que ia explodir de raiva. Gostava, gostava!, reclamou, irritada, que mania de gostar! Desde pequena que você tem isso, acusou. Tudo você quer gostar! Pois não tem nada pra gostar nele, entendeu? Nada!

8. De repente, a caçula me pareceu ganhar coragem, porque respirou fundo e disse menos chorosa: — É, Edmaura, eu gostava dele, se você não entende isso... Mas a mais velha nem a deixou concluir, esbravejou um não, não entendo!, que fez o salão todo prender a respiração. Eu logo pensei que Edmaura ia bater na outra, tamanha a rispidez com que respondeu. Mas, pra nossa surpresa, ela se levantou, foi esterilizar um dos instrumentos e, de lá mesmo, a poucos passos de onde estávamos — eu no banco esperando minha vez de ser atendida por Edmaura; a irmã chorosa sentada de frente pra mim; uma cliente sendo atendida por outra manicure; duas cabeleireiras trabalhando em mais duas clientes —, começou a desenvolver uma argumentação risível na qual ela mesma perguntava e ela mesma respondia, assim:
— Eu quero que você me diga o que tem nesse homem pra se gostar, não!, me diga, vá! Ah, pelo amor de Deus! Um homem sem serventia! Por acaso é um homem bom, que fica do seu lado, te acompanha, que é parceirão ali, pro que der e vier? Não! Uma misera que não pode ir nem no posto médico contigo! É um homem bom de cama, que te dá prazer? Sim, porque às vezes o cabra dá conta lá do recado, ué!
(O salão inteiro riu, algumas fizeram aiii, vale a pena, né!?).
— Sim! — concordou Edmaura, voltando com os instrumentos e retomando o serviço. — Se você me disser que o sujeito te dava prazer, pronto! Tá explicado, tá justificado! Eu piu!, calo logo a minha boca. Entendo perfeitamente! Se o cabra é bom de cama, a gente vai fazendo vista grossa pras outras coisas. Mas não, você mesma disse que nos últimos dias quando se achegava na criatura, ele alegava dor de cabeça! Dor de cabeça!
— Mas, Edmaura! — tentou a irmã mais nova, sem sucesso.
— Dor de cabeça! — soletrou Edmaura, revoltada. Na verdade, todas nós no salão já estávamos irritadíssimas com esse homem!
— Você já viu homem ter dor de cabeça na hora do vamô ver? — perguntava Edmaura à cliente, a mim, a todo mundo no salão, ao que respondíamos em coro claro que não!
— Quem tem dor de cabeça é mulher, entendeu? Mulher! Homem não tem dor de cabeça! — decretou, Edmaura, apoiadíssima por todas nós.
— Também não é assim — disse a irmã mais moça, sem graça.
— Não é assim o quê? — rebateu Edmaura. — É assim mesmo. É um homem sem serventia. Você nunca me disse uma qualidade pra se gostar dele. É um homem trabalhador, que bota as coisas dentro de casa? Não, o infeliz tá desempregado há meses! Meses! É um homem inteligente, que sabe conversar, desenvolver os assuntos, fazer a gente passar por mulher de homem culto nos lugares? Qual! O desgraçado mal abre a boca! Quando fala, é pra reclamar e dizer que quer ir embora, quer ir embora! É um homem bonito? Sim, porque a gente pode querer ter uma visão agradável quando chega em casa, ué! Quem não quer?
Todas nós concordamos: homem bonito é um bálsamo.
— Não! A misera do homem é feio e nem se cuida, muitas vezes você se queixou que achava que ele não tava tomando banho — tornou Edmaura.
Afff!, eu pensei em entrar na discussão e fazer coro: esquece esse encosto, mulher!
— É um homem engraçado, que te faz rir? — continuou Edmaura, ela mesma perguntava, ela mesma respondia. — Sim, porque eu já fiquei com namorado somente porque me fazia rir.
— Eu também! — disse uma das cabeleireiras.
— Mas não, a misera do homem só vive de mau humor — prosseguia Edmaura. — De cara amarrada. Com raiva do mundo. Se a gente chama pra um churrasco, não quer ir, porque demoram de servir a comida, a cerveja está sempre quente, e ele se irrita. Não gosta de feijoada, porque é uma comida pesada e ele tem desarranjo. Enfim, não gosta de nada! Ah, vai-te pro diabo! Um homem sem serventia! Gostar de que nele? Não tem o que gostar! É um bom pai? Sim, porque se é bom pai pros filhos da gente, pronto!, a gente respeita, é importante, eu faria esse sacrifício por meus meninos! Mas não!, nas três vezes que você deixou a criança com ele, o peste deixou a menina se machucar!
— Mas, Edmaura! — tentou de novo a irmã, chorosa, envergonhada com os olhares de todo o público feminino em cima da falta de noção dela. Sim, porque a essas alturas, todas nós estávamos com ódio desse cara e querendo beber o sangue dele.
— Não tem mais Edmaura nem menos Edmaura — disse a outra, impassível. — Esse homem é um zero à esquerda, você não vai conversar nada com ele, nada! Acabou em boa hora. Não é homem pra se gostar, desgoste dele logo, viu?! Desgoste logo!

09. Estávamos todas horrorizadas e solidárias com Edmaura. Mas a dona do salão, surpreendentemente, disse que não era assim que se resolvia as coisas, que a irmã estava sofrendo, bastava olhar pra ver que ela ainda gostava do rapaz. É só deixar de gostar, rebateu Edmaura, imune ao rosto consternado da irmã. E por mais que tente, jamais me esqueço da simplicidade com que ela repudiou essa intervenção:
— Ele não tem o que ela gostar, entendeu? Porque não tem nada nele, é um homem sem nenhuma qualidade — sentenciou.

domingo, abril 17, 2016

Bom domingo



1. O mar de Salvador é egoísta, lindo azul-cinzento às 7h, não quer saber de guerras, se lixa pra conflitos, não tá nem aí pros que acordaram neste 17 de abril com ânsia, esperança ou medo;

2. Idem o sol, cujo namoro com as ondas do mar chega a ser indecente: se lambem, se fundem, tingindo o mundo de prata brilhante, tão cedo;

3. Esse café espresso com espuma de leite também é deveras egoísta; idem os morangos sangrentos, em círculos em cima do bolo, esperando por degustação;

4. A serenidade da vida tão quieta mas intensamente verde-alaranjada nessas folhas que as amendoeiras dispensam pelas ruas de Salvador, como se estivéssemos vivendo um simples outono e não um caos coletivo;

5. É impressionante o grau de violência contido na alegria da menina de 4, 5 anos, toda molhada de mar, que segura mão do pai à minha frente. Ambos estão voltando de um mergulho no Porto da Barra, e ela diz que está com frio, debaixo do sol das 7h30, enquanto o pai ri, compreensivo, parando a caminhada pra vestir na pequena uma blusinha com desenhos das Monster High;

6. Mas a humanidade terá jeito algum dia?, pergunta o senhor de boné à minha frente — provavelmente um interesseiro, retórico comodista — na porta da igreja de Santa Terezinha, enquanto a senhora, toda de branco, segura em seu braço e murmura vários claro que sim, George, claro que sim;

7. Ainda mais irritantemente interesseiro e comodista é o diálogo seguinte, que se materializa há alguns metros da porta da farmácia Pague Menos:
— Senhora, me dê uma ajuda pra comprar uma passagem pra minha cidade, porque perdi meu emprego, não tenho dinheiro pra voltar pra casa, blábláblá.
— Que cidade é essa?
— Itiúba.
— Onde é isso?
— Depois de Jacobina, senhora.
— Só tenho aqui 5 reais. Tome...
— Deus lhe dê em dobro.
— Viu, Deus? — diz a mulher, com cara de puro egoísmo, fechando a bolsa. — Me deve 10 reais...

8. Libertados, desde logo, das servidões queridas, libertados da necessidade das fontes, apontamos a proa o algo longínquo. Só então, do alto de nossas trajetórias retilíneas, descobrimos o embasamento essencial, o fundo de rocha, de areia, de sal, em que, uma vez ou outra, como um pouco de musgo entre as ruínas, a vida ousa florescer. [...] Então podemos julgar o homem por uma escala cósmica, observando-o através de nossas vigias como se fora através de instrumentos de estudo. Então relemos nossa história. (Saint-Exupery).

9. Talvez você também seja uma cretina, absurdamente voltada para si e alheia aos interesses do outro, pois ao voltar pra casa, depois do banho, escolhe tomar mais café, se sentar à varanda e reler Terra dos Homens, de Saint-Exupery, fumando seu cigarro, tranquila, como se vivesse mais um domingo concedido pelos Céus.

sexta-feira, abril 08, 2016

Certas coisas que aprendi com João Filho...



Há dez anos, o poeta João Filho decidiu morar comigo. Era abril de 2006, e Salvador se desmanchava em chuvas, no seu outono geralmente abafado e molhado, que nem mesmo os passarinhos sabem que é outono. Para concretizar tal decisão, ele rompeu um casamento de quase sete anos. Nunca entendi direito porque desarrumou sua vida tão bruscamente, uma vez que só tínhamos, à época, cerca de vinte dias de namoro. Namoro escondido, diga-se de passagem, já que ele era oficialmente casado. No momento em que me disse me separo pra ficar contigo, senti que ele apostava cegamente em nós, e tratei de fazer o mesmo: apostar, de qualquer maneira, sem mais delongas e a perder de vista, em nós dois. De lá pra cá, aprendo coisas que, muitas vezes, só meses depois percebo que aprendi. Sutilmente, como é próprio dos poetas, as coisas dele vão entranhando em mim e só tempos depois percebo que, naturalmente, as absorvi e que não mais pretendo abrir mão delas. Muitas coisas não posso dizer, pois há limites entre vida íntima e vida expressa. Outras, mais verbalmente possíveis, listo abaixo:

1. Não se deve desconfiar das pessoas sem motivo justo: sou Escorpião com Ascendente em Escorpião e Lua em Capricórnio, e já me garantiram que deve ser por conta de tais aspectos que não boto muita fé nas pessoas. Demoro a gostar, demoro a confiar nelas, exceto naqueles casos de milagre divino em que você põe os olhos num ser humano e uma luz se acende ao infinito. Fora isso, desconfio antecipadamente de qualquer criatura que atravessar meu campo de visão. João Filho é Aquário com Ascendente em Áries e Lua em Câncer, e não sei se há explicação direta nisso, mas, nessa área, ele é o oposto de mim, não desconfia de ninguém até que lhe provem o contrário. Tive de desenvolver o exercício da dúvida com minhas próprias impressões, pois se falo fulano é idiota, logo João Filho pergunta e o que ele fez de tão idiota assim? Se não tem realmente um fato que comprove a idiotice do sujeito ou sujeita, se é apenas impressão minha (tenho pilhas de impressões sobre as pessoas, mal elas surgem na minha frente!), mesmo que o poeta não diga nada, já me sinto "errada" ou "censurada" no meu jeito de considerar determinada pessoa simplesmente uma idiota.

2. Ouvir as criaturas de Deus, interagir com elas, dar-lhes atenção, não é perder tempo: raramente desenvolvo conversas "aleatórias" na rua. Claro que gosto de anotar os diálogos espontâneos das pessoas, meus diários são repletos de falas que roubo por aí e podem vir a compor um conto, romance, crônica, ou nenhuma dessas opções, simplesmente restarem ilustrativas nos diários que jamais publicarei. Não importa. O fato é que, embora anote tais conversas, não costumo provocá-las, não partilho dessa brasilidade irritantemente cordial, nem acho normal viver numa terra onde a gente mal dá um passo já é obrigado a interagir com trezentas e tantas pessoas. É muita tagarelice pra minha cabeça. Meu amor também não é tão brasileiro assim, mas, ao contrário de mim, se falam com ele, recebem respostas educadas, disposição pra ouvir e muitos sorrisos compreensivos. Tenho muitas passagens ilustrativas desse meu desinteresse X o interesse dele. Lá vão duas:

a) 2012, Rio de Janeiro - pegamos um táxi de um hotel em Ipanema para o aeroporto Santos Dumont. Não era longe, mas o taxista, um senhor de cabelos brancos, oriundo de algum estado nordestino (Ceará ou Piauí, não me lembro bem), estava vacinado com agulha de vitrola e conseguiu narrar toda a história de sua vida nesse trajeto. Quando descemos, respirei, aliviada, e comentei: que cara conversador! Não sabe dirigir calado! Mas meu amor rebateu: você viu que história interessante? O tempo era outro, as pessoas confiavam e ajudavam umas às outras apenas porque um vizinho indicou. Fiquei me perguntando qual vizinho, pois não me lembrava que havia um. Bem, cá está o fato: o taxista chegou nos anos 1970, no Rio de Janeiro, atrás de um amigo de um vizinho, que poderia lhe arranjar um emprego. Mal sabia o nome da criatura, mandaram-lhe procurá-la num bar em Flamengo, e assim ele fez; falou em nome do vizinho, o outro prontamente o ajudou; ele se estabeleceu no Rio, hoje tem sua casa própria, seu ganha pão, é pai de três filhos crescidos e avô;

b) gostamos de comer abará acompanhado de uma Heineken geladíssima, na Perini da Graça; é, digamos assim, um dos hábitos do casal. Certa feita, o atendimento estava lento, só havia uma moça atrás do balcão, e cerca de seis pessoas esperando. Um cliente se desentendeu com a funcionária e a chamou de uma ruma de adjetivos - incompetente era o mais light deles. O cara saiu, espumando, sem ser atendido, e a funcionária ficou com cara de choro. João Filho, imediatamente, se pôs a consolá-la, puxando conversa pra distraí-la. Logo a moça já estava rindo com algum comentário dele, e o estresse de minutos atrás sequer era mencionado. Você estava dando em cima da moça?, perguntei quando o poeta se sentou do meu lado, com os dois abarás e as Heinekens. Me respeite, Alessandra, ele rebateu. Olhei pros dois pratos de abará e achei a porção muito acima do normal. Por que tanto vatapá?, indaguei, ela exagerou, não? Vatapá nunca é demais, ele disse, guloso, se não quiser o seu, deixe que eu como!

3.Pablo Neruda pode ser um bom poeta:
- Sério? Mas Pablo Neruda é um mala sem alça!
- Também tinha restrições a ele, mas há coisas muito boas, acredite!
- Até agora só vi bobagem...
- Você está de má vontade, leia Vinte poemas de amor e uma canção desesperada.
- Ah, que nada! De verborragia basta a minha...
- Leia, você pode se surpreender.

4. A chuva é o verdadeiro estado de nossa alma e não temos nada a ver com o desastre que ela causa nas grandes cidades: sempre que chove, nos alegramos de uma alegria infinita. Somos de Bom Jesus da Lapa e lá, em geral, a chuva é rara, muito esperada, muito festejada. Em Bom Jesus da Lapa, o único ser humano que não fica feliz com a chuva é minha mãe. Minha mãe odeia chuva e também não gosta muito de som/música. Contudo, é de conhecimento geral que mãe é coisa de outro mundo, portanto, não vamos dar cabimento a esses detalhes. Acho que quem escreve vive numa eterna chuva imaginária, e, quando chove de verdade, parece que mundo interno e mundo externo estão, enfim, atados. Mas desde que vim morar em Salvador, sentia culpa por gostar tanto da chuva. Por quê?, estranhará você. Explico: porque Salvador é uma cidade chuvosa, porém, enrustida, não assume que é chuvosa, então, nas épocas de maior pluviosidade, temos de suportar o mau-humor das pessoas, além das tristes notícias de ruas alagadas, casas desabadas, pessoas mortas, acidentes, doenças várias, desastres, desastres. Sentindo-me podada na minha paixão pela chuva, confessei ao meu amor que sentia certa culpa por estar feliz e produzindo tanto, quando havia tanta gente sofrendo. Não temos nada com isso, ele decretou, tranquilamente, não é problema da chuva, mas de quem não agiu quando deveria.

5. Mas, afinal, é seu(sua) amigo(a) ou um(a) cobrador(a)? Pois então! Amigo de verdade não cobra sua presença onde você não pode estar; não lhe dá papéis que você não pediu pra desempenhar; não liga pra dizer que você não ligou pra ele; não finge que vai te ajudar apenas pra cumprir sociabilidade; não te elege parceiro de empreendimentos que ele fez sem te consultar. Tenho amigos que ficam meses sem aparecer e/ou sem falar comigo. Quando nos vemos, as afinidades e o afeto retornam com naturalidade. Mas isso não me livra de alguns escritórios de cobrança que, de vez em quando, surgem em meu caminho. Detesto que me cobrem laços, porque os entendo como absolutamente naturais. Não cobro amizade de ninguém, reconheço quando os laços se desataram ou foram cortados por alguma razão maior. Antes, me deprimia tal reconhecimento, hoje, aceito-o. Quando percebo que não estão sendo amigos comigo, que estou considerando as pessoas de um jeito e recebendo de outro, recolho meu afeto, me afasto, desapareço, bem à moda de Drummond: a poesia é incomunicável/fique torto no seu canto. Sempre gostei disso: fique torto no seu canto. É verdade, eu fico - hoje fico até muito bem. Porém, vivia a me chatear com as pessoas que vinham, tortas, me cutucar em meu canto, geralmente com cobranças. Mas aprendi com João Filho a ignorar solenemente esses cobradores. Pra ele, nunca foi problema, somente questão de reconhecer: nem eles são nossos amigos, nem nós somos amigos deles. Portanto, está tudo certo, tudo em paz.

6. Quando engordo:
- Você está linda, meu amor.
- Estou?
- Demais!
- Oxente, mas se estou acima do peso!
- Está é muito da gostosa!

7. Quando emagreço:
- Você está linda, meu amor.
- Estou?
- Demais!
- Você percebeu que emagreci três quilos?
- Claro, quando te abraço, logo percebo que sua cintura está menor.
- Ainda quero perder mais dois quilos, sabia?
- Continua muito gostosa!

Como eu disse acima, há outras coisas aprendidas, mas nem tudo pode ser dito, você bem sabe. É pra ser uma listinha leve bem leve revele à pele. Hoje contamos dez anos de união. Recebi rosas vermelhas, um espumante e uma caixa de chocolates. Decidimos oficializar esse viver juntos em setembro. Por isso, imagino que a lista crescerá embaixo das novas chuvas que virão. Que bom, não?



sábado, abril 02, 2016

Caros petistas — eternos, declarados, beneficiados, insanos, sinceros, isentos e afins



A postura abusiva de vocês já ultrapassou todos os limites do bom senso. Por isso, peço-lhes, humildemente, que atentem para algumas regras que são imprescindíveis à humanidade, independentemente de quem tem o sangue "verde-amarelo" ou "vermelho". São elas:

1. Vocês não inventaram a história, tampouco a verdade, assim como não saiu da cabecinha de vocês a noção de interpretação e perspectiva. Vocês podem, evidentemente, aproveitar as ideias foucaultianas de micro-história, micropoder e, citando Pesavento aqui e ali, trazer à tona tudo aquilo que vocês considerarem excluído dos "discursos oficiais", tudo aquilo que pode ser relacionado às histórias de vencidos e minorias. Mas isso não os transforma automaticamente em donos dessas histórias nem dessas classes, gêneros e etnias. Façam o que fizerem, usem a teoria que for, vocês continuarão sendo, na melhor das hipóteses, um pesquisador como outro qualquer. Pior: o que vocês produzem é passível de interpretação e de uso ideológico para criação e/ou manutenção de outras formas de exclusão. É injusto? Cruel que seja assim? Pois é, a vida é dura, companheiros.

2. Vocês não são donos da liberdade, nem das formas artísticas de expressão, tampouco dos nossos institutos, fundações e universidades. Não, o fato de terem lutado contra a ditadura militar no Brasil não lhes dá nenhum direito à apropriação, hoje, das instituições públicas brasileiras, inclusive porque a sua luta, vamos esclarecer, não era em prol de democracia alguma, mas da implantação de um outro regime tirânico, mundialmente conhecido como ditadura do proletariado, cujas consequências práticas podem ser analisadas através do saldo do stalinismo, da China, de Cuba, Coreia do Norte etc. As universidades públicas, as atividades jornalísticas, até mesmo a música popular, o teatro, o cinema, a literatura e demais formas de expressão, acreditem!, não têm dono. Eu sei, vocês foram (de)formados anos e anos para acreditar que esses espaços só são "bons", "autênticos" e "admiráveis" quando trazem alguma contribuição à mentalidade revolucionária de esquerda. Eu também fui educada assim. Tá tudo certo, tá tranquilo, só que non, entenderam? NÃO. Aceitem. O não faz parte do desenvolvimento do ser humano na Terra. Com o tempo, nem dói tanto assim.

3. Vocês não têm direito de usar cargos nem espaços públicos para disseminar propagandas e crenças partidárias. Quando um reitor de uma universidade pública convoca a comunidade acadêmica para uma semana de debates em que "discutirão a crise democrática" com deputados e representantes do PT, PSOL e PC do B — entre outros debatedores claramente contra o impeachment em andamento no Congresso — ele deve, antes, avisar à comunidade acadêmica e povo em geral que está usando um cargo público numa instituição igualmente pública para uma semana de PTocracia ou, se quiser ser mais plural, esquerdocracia. Isso não tem nada a ver com debate acadêmico, tampouco com democracia. É uma reunião para quem comunga da mesma opinião política. Poderia ser realizada, inclusive, na casa de algum dos participantes, onde (imagino!) o dinheiro público ainda não está custeando a luz, a água, o cafezinho etc. Isso é abuso de poder e falta de ética, não condiz com a postura de um servidor público. Igualmente ocorre abuso de poder e falta de ética quando:
a) um funcionário do Itamaraty manda telegrama oficial às embaixadas avisando que haverá golpe no Brasil;
b) a diretoria da ABRALIC envia e-mail com slide em prol de Dilma para os professores que estão cadastrados na associação;
c) colegas usam essas mesmas listas acadêmicas para enviar textos de pensadores petistas e manifestos em prol da manutenção desse governo;
d) colegas dão replay numa comunicação ordinária do departamento para enviar, coletivamente, uma convocação para passeatas e debates em prol do governo federal;
e) pessoas que estão em cargos de representação cultural nos enviam convites para participar de ato público pseudo-democrático — leia-se, em defesa de Dilma, tal dia e tal hora, em Salvador, no Campo Grande.

Sei que a ética de vocês é tão relativa que devem achar isso natural, democrático e de direito. Mas peço que façam um exercício simples de inversão: e se alguém usasse esses mesmos espaços com mensagens contrárias ao PT? Se alguém lhes mandasse convite para ir às ruas se manifestar de verde-amarelo em defesa da Lava Jato, do impeachment e da salvação de nosso País? Vocês achariam democrático? Pois é, pois é. Democracia tem disso: a gente é obrigado a tolerar diferenças, mas não abusos.

4. O amor que vocês têm pelo Lula não faz dele o melhor presidente de toda a história brasileira, e mesmo se o fizesse, ser um bom presidente não é justificativa para cometer crimes. Querem pensar idiotices assim? Pensem até queimar os neurônios, mas deixem o resto das pessoas acompanhar, em paz, o que está sendo levantado, gradativamente, pelas investigações, a saber:
a) corrupção generalizada;
b) enriquecimento ilícito;
c) formação de quadrilha;
d) tentativa de influenciar o STF;
e) intimidação do Ministério Público Federal;
f) apropriação de dinheiro público;
g) aparelhamento da Petrobras, BNDES, entre outras instituições públicas;
h) envolvimento no assassinato de Celso Daniel.

Ah, não tem nada provado contra Lula? OK. Em toda investigação, toma-se o que se chama indícios até se chegar às provas. Por não ter nada provado é que ele está sendo INVESTIGADO e não PROCESSADO. Tenham fé, torçam, respirem fundo e aguentem: é uma longa investigação em curso. Chamar o juiz Moro de vendido ao PSDB não vai auxiliar em nada, gostando ou não, a investigação continuará. O mais importante é entender que o mundo é difícil, companheiros! O mundo é concreto e nem sempre funciona como uma extensão de nossas emoções e afetos, por isso, o fato de vocês gostarem tanto desse político não invalida nenhuma investigação de suas ações. Querem protegê-lo? Levem-no para casa de vocês. E se acaso chegar o tenebroso dia em que o juiz Moro mandará tocar sua campanhia com a ordem de prisão para esse seu político tão idolatrado, querido, de estimação, não se desesperem. Mantenham a calma, acompanhem-no à porta da cadeia, abracem-no e prometam voltar todos os dias de visita. Nesses dias, levem maçãs, suco de laranja, uvas, castanhas, arroz integral... enfim, a comida da prisão não é boa, vocês sabem. Ainda haverá muitos recursos, anulação de prova X ou Y, diminuição da pena por bom comportamento ou por colaboração à justiça, permissão para cumprir a pena em regime domiciliar, uso de tornozeleira... ufa! Não tem nada mais longo e complexo do que a nossa justiça, certo? Então, para que esse desespero infantil? Deixem disso! Olhem o pessoal do mensalão aí, quase todo mundo já está solto. Bandido no Brasil, se tem dinheiro, quase sempre se dá bem. Tá tranquilo, tá legal.

5. Parem com essa antipatia de acusar os outros de ódio e polarização. A construção do ódio, e consequente racha do País em "nós" e "eles", não é uma artimanha da direita, nem do PSDB. É uma estratégia criada por João Santana na última eleição de Dilma. Essa estratégia foi agora ressuscitada pelos bloguistas, artistas, faceboquistas e demais defensores do governo. O problema é que essa é uma estratégia de risco, assim como ocorreu na eleição, quando o candidato Aécio — carente de ideias e dono de uma das piores campanhas de oposição que já presenciamos — simplesmente aproveitou a deixa de João Santana e passou a responder com igual emotividade às polarizações Nordeste X Sul-Sudeste, ricos X pobres, brancos X negros, mulheres X homens, homossexuais X heterossexuais etc. Essas animosidades sempre existiram no Brasil? Mas é claro, meu bem! Porém, elas nunca foram usadas tão sistematicamente em prol de um candidato ou partido. Deu certo? Deu, a presidente foi reeleita. Houve risco? Houve, foram 54.501.118 (51,64%) contra 51.041.155 (48,36%). Não sei por que vocês querem trazer de volta essa estratégia de risco numa situação que nem é de eleição. Todavia, ressalto que a questão do Bem X Mal é muito complexa, e se vocês não estão preparados para revanches, se não entendem que a criatura pode se voltar violentamente contra o criador, então, não deveriam ter comprado a ideia. Sim, o feitiço vira contra o feiticeiro repentinamente, é da condição humana, não tem jeito. Mesmo se vocês pedirem aos cinco ministros, que Dilma disse ter no Supremo, para legitimar o uso unilateral e estratégico do ódio unicamente pelo PT, o povo é danado de teimoso e não vai atender. Colocar em cima dessa estratégia aquela outra de Lênin (acusem seus inimigos daquilo que você faz) não vai funcionar no meio de ânimos tão acirrados. O monstro se ergue da noite pro dia, sabem? Se não aguentam, não desçam pro play, porque muitas brincadeiras matam.

6. Vocês não têm direito de levar representantes do MST para disseminar ameaças no Planalto. O Planalto está apenas ocupado pelo PT, mas não é propriedade do PT. É um espaço da União. Cuidado, prometer invadir a casa das pessoas é crime. Tanto se essa promessa for feita ao lado de Lula, em palanques, quanto se for ao lado dessa mesma presidente eleita pelo voto direto e que, na cabeça de vocês, não merece impeachment. Não é a primeira vez que são divulgadas ameaças de violência, greves, invasão de casas e instituições, se Lula for preso e Dilma for deposta. Vejam, as pessoas já estão respondendo verbalmente a isso nas redes sociais. Há chefes de família ostentando seu porte legal de arma e dizendo: pode vir MST. A sede do PT foi atacada três vezes. Que acontecerá depois? Fortalecimento da Bancada da Bala no Congresso? O que querem com isso? Nos dizer que o MST tem tanques, tem armas e recolocará no cargo uma presidente deposta pelo Congresso? Estão alertando ao povo brasileiro que vocês têm acesso a um poder paralelo? É isso? Devemos, assim que o impeachment ocorrer, se ocorrer, botar as forças armadas e demais polícias na rua? Vamos nos preparar antecipadamente? Olha que a brincadeira cresce, cuidado! Crianças sem educação e longe dos pais são danadas pra causar acidentes fatais.

7. Guardem seus amiguinhos isentos exclusivamente para vocês. Ninguém quer saber deles. Essas pessoas que começam a abordagem explicando que não são petistas, muito pelo contrário, só não acham certo dar o golpe numa pessoa eleita pelo voto direto (claro, imagino que já existiram muitos impeachments contra presidentes não-eleitos pelo voto direto no Brasil). Sim, não são petistas, mas entram sem a menor cerimônia em nossos posts e caixa de e-mails para divulgar não apenas um argumento imbecil de Gramsci ou Paulo Freire, mas um texto de um professor jurista muito estudado, de um sociólogo de renome, um artista popular consagrado, um economista de prestígio que, pasmem!, também não veem motivo para impeachment. Ora, não veem motivo para impeachment! Pois comprem um par de óculos, meus caros. Façam cirurgia de catarata. Aprendam braile. Peça a um bom cristão pra ler todo o processo jurídico pra vocês. Não vê?, problema seu, eu vejo. Mas não me venham com essa isenção política criada por Duda Mendonça quando quis fabricar o Lulinha paz-amor. Sim, eu também era eleitora de Lula e achei maravilhoso. A gente se concentrou em pegar depoimentos de pessoas sem passado na esquerda nem na direita, pessoas não-petistas, isto é, isentas, mas que iriam dar um voto de confiança no Lulinha, iriam apostar na esperança. Agora, em época de crise, trouxeram essa beleza de raciocínio de volta. É excelente. Muito melhor do que o do enfrentamento que gera um racha no País. Se eu ainda desse aula de redação publicitária, usaria esses exemplos, dariam boas discussões. Mas, enfim, já conhecemos esse filme, ninguém está interessado, OK?

Observando essas regras básicas para o bem do povo e felicidade geral da nação, vocês têm meu total respeito. Continuem. Lutem, lutem. Mas não esqueçam a ética, não furem a lei, não abandonem a decência. Lutar é um direito que lhes cabe. Boa sorte. Vão em paz.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...