domingo, dezembro 06, 2015



Uma mulher quase plena atravessa a lua.
Todavia, não se pode ter certeza
- e se for lágrima de chuva guardada?
- e se for purpurina solar?
É impossível saber sem erro.
Ainda estás dormindo, bem sei,
e é verde, completamente verde,
o tempo ruidoso lá fora.
Na prisão desse tempo,
nada podes perceber.
Não, não é mais cedo, ao contrário,
o mundo parece demasiado tarde
pro muito pouco que trazemos
entre os dedos.
É estranho que durmas tão alheio
enquanto uma mulher, seguramente plena,
atravessa a lua.

sexta-feira, outubro 23, 2015

A granel (na íntegra)



Recentemente, o governo estadual divulgou uma lista de professores que, sendo de regime de dedicação exclusiva, estariam acumulando cargos em outras instituições. Para comprovar o crime, foram cruzados dados do INSS. A lista, estampada na mídia e redes sociais, virou bochicho nas universidades e provocou posts maldosos de alunos e pantomimas de apresentadores de TV. As matérias expunham o salário de um professor universitário com DE, chamavam atenção para os bilhões perdidos pelos cofres públicos e enfatizavam a necessidade de ressarcimento por parte dos infratores. Após uma greve de mais de 90 dias nas quatros universidades estaduais da Bahia, e dentro de um cenário de crise não somente econômica, mas, sobretudo, estrutural, essas manchetes com a denúncia dos docentes criminosos foram mais do que constrangedoras: elas trouxeram um travo na garganta até mesmo dos simpatizantes às causas das UEBAs. Foi, também, uma oportunidade para comprovarmos a eficácia da assessoria de comunicação do Estado da Bahia: para onde quer que olhássemos, lá estava a notícia, orquestrando um subtexto doloroso: você se lembra dos profissionais que há alguns meses pararam em prol de mais verbas para a educação, de respeito à autonomia universitária e de garantia da ascensão legítima dos servidores públicos? Pois é, eles acumulam cargos! Eles agem fora da lei, pessoal! Eficiente e sintético, o recado estava dado.

A lista, porém, é uma farsa: os recebimentos expostos como ilegais pela SAEB estão garantidos pelo estatuto dos servidores estaduais. São não apenas previstos pela lei, mas comprovam uma produtividade intelectual-acadêmica desses professores, pois se trata de proventos oriundos de direitos autorais, serviços prestados ao ENEM, ENADE ou aos cursos de capacitação de professores promovidos pelo próprio estado. Ao analisarmos a lista, veremos que não é uma real tentativa, por parte do governo, de coibir o acúmulo ilegal de cargos, permitindo, assim, melhor uso dos recursos financeiros destinados à educação. Longe disso, a ação se dirige para o campo do ataque à classe dos professores universitários, já tão fragilizada pelo desprezo dos sucessivos governos baianos — sejam de direita, sejam de esquerda — que nos veem, em geral, como incômodos inimigos. Exemplifico com dois casos de manipulação irresponsável dos fatos: um professor-poeta da UEFS, premiado nacionalmente, foi incluído na lista da SAEB porque recebeu R$500,00 da Academia Brasileira de Letras, como pagamento pela publicação de seus poemas numa revista. Outro professor está na lista por causa de um recolhimentos, em seu nome, ao INSS, referente a agosto de 2006, quando era funcionário de uma instituição privada, mas, detalhe!, ainda não havia prestado concurso para a universidade estadual! A SAEB não sabia que esse professor só entrou na UNEB em dezembro de 2006? A lista, enfim, está repleta de casos absurdos como esses. Esses cidadãos tiveram seus nomes achincalhados na mídia, mas ninguém no governo foi demitido ou mesmo advertido pelo erro.

Quem vive o dia a dia das UEBAs sabe que essa é só mais uma das inúmeras provas de que a educação em nossa terra é um fracasso: moral, ético, administrativo, cultural, social e pedagógico. Do contrário, não aceitaríamos tão passivamente esse ataque orquestrado pelo governo. Vejam: não estamos falando de picuinhas ideológicas entre quem é e quem não é eleitor da atual sigla que governa a Bahia. Não estamos falando de subjetividades ou simpatias, estamos falando de acusações públicas, sem provas, de uma secretaria de educação a um grupo de servidores concursados, profissionais do ensino. Pensar que tal ataque está passando em brancas nuvens, que enquanto escrevo esse texto, esses mesmos professores estão, individualmente, organizando provas para ir à SAEB provar sua inocência, que a lista adquiriu um tom de bochicho e irá desaparecer na poeira de novas polêmicas, é reconhecer que, na educação, fracassamos não somente em números, mas naquilo que é o básico do básico: fracassamos em nosso compromisso com o conhecimento dos fatos e, pior, fracassamos no interesse pela verdade. Não o conhecimento reflexivo, filosófico, histórico, cultural, que todo projeto educativo deve ter, mas o saber elementar, do que acontece e o que não acontece, de verdade, de concreto, a nossa volta.

Obviamente, o fracasso não é obra desse governo — embora ele faça sua parte para engrossá-lo —, mas fruto da nossa equivocada relação com o conhecimento. Nenhum governo — seja municipal, estadual ou federal — tem projetos concretos em prol da melhoria na educação, porque essa crise é muito mais profunda e estável do que o cenário atual possa revelar. Não há nenhuma intenção aqui de negar a gravidade do hoje e do agora: a crise nas UEBAs é complexa e preocupante, sim, e envolve problemas como falta de verbas, corrupção, negligência com os bens públicos, conflitos ideológicos etc., entretanto, a facilidade com que aceitamos a farsa da lista revela a precariedade de nossa situação. É um sintoma ou uma metáfora de como nos portamos frente à necessidade de conhecimento e formação, porque a educação sempre foi o nosso calcanhar de Aquiles. Há outros males como violência, falta de acesso à saúde, corrupção, impunidade e miséria, mas não há nada mais infeliz do que a situação da educação no Brasil. O saber não é um valor fundamental em nossa cultura, e se a saúde é administrada a quilo, a educação é a granel. Elegeram, há muito, a quantidade como fator fundamental nas políticas educacionais, em detrimento de qualquer plano ou esperança de melhoria na qualidade do que chamamos pomposamente ensino no País. Esse vetor vem de cima para baixo e distribui sua crueldade em contêineres: as escolas precisam provar em números cada vez maiores que a evasão diminuiu e a aprovação aumentou, pois assim recebem mais verbas, ainda que esses números, quando analisados concretamente revelem um contingente maior de cidadãos impossibilitados de ler e escrever; as universidades precisam provar que não excluem, que aumentaram suas vagas, que são acessíveis, embora estejam formando sujeitos incapazes de ler e escrever; os cursos de pós-graduação precisam cumprir prazos cada vez menores e aumentar o máximo possível seus indicadores de produção, mesmo que estejam lançando ano após ano especialistas, mestres e doutores incapazes de ler e escrever. Temos então armazenado esses dados simpáticos que indicam mais cidadãos portadores de certificados de ensino médio, mais sujeitos com diplomas universitários, mais pessoas com títulos de especialistas, mestres e doutores no País. Que não saibam ler e escrever é apenas um detalhe. Nos caminhões que transportam nossos contêineres educativos, o acesso cresceu, a exclusão diminuiu. Carga positiva, não?

Além da crueldade de se eleger a quantidade como balizadora da educação no País, há outro monstrinho que nos tira o fôlego: a eleição do que é menos relevante na rotina das instituições de ensino. Podemos chamar isso de desimportância do saber, de inversão de valores, de desinteresse no real processo de ensino-aprendizagem. Tanto faz. Importa perceber que qualquer assunto periférico é mais relevante do que ministrar/assistir aulas. Isso está encravado em nossos cérebros e parece tão natural que existam outros assuntos mais interessantes do que as aulas que não nos espanta mais sermos interrompidos em sala por alunos, colegas e demais seres humanos desejosos de nos dar avisos, fazer convites, passar listas, realizar performances, convocar para reuniões, eventos, assembleias, bate papo ou até mesmo vender produtos durante nossas aulas. Aulas? Não, não são tão importantes assim. Podem esperar. Podem ser suspensas. Podem ser paralisadas. Podem ser suprimidas. Não nos deixa mentir o cotidiano das nossas UEBAs: greves manipuladas por brigas partidárias em que nós, docentes, somos meros fantoches; paralisações e portões fechados a qualquer momento; discursos anacrônicos, baseados em fragmentos do Marx que nenhum de seus defensores leu de verdade; agressões múltiplas entre docentes, discentes e funcionários; preguiça mental, hipocrisia, desvontade. A briga é foucaultiana: deseja-se poder, micro e macro; poder, acima e embaixo; poder, tão somente poder. Falta verba, mas falta, antes, honestidade conosco para assumirmos que não é apenas aos políticos que o quadro caótico não interessa, a verdade é que a situação vexatória do ensino no Brasil não interessa a quase ninguém. Isso é histórico: somos uma gente a quem desimporta o conhecimento. Podemos palmilhar essa incômoda verdade em estudos pormenorizados sobre o desenvolvimento da nossa nação, desde Caminha até hoje, constataremos que, tristemente, a educação é penduricalho na pirâmide de valores de nosso povo. Podemos analisar sincronicamente os atos e falas diárias, desde o cidadão que ocupa uma vaga numa instituição pública sem se esforçar um milímetro para aprender, passando pelo profissional que não se preparou nem se sente professor, mas, por alguma razão oculta, está professor; até os pseudo-pedagogos que elaboram planos e diretrizes de ensino que já nascem corroídas por essa doença do fingimento. É um teatro de mau gosto, onde há espaço para falsas listas, marxismos, liberalismos e toda sorte de estupidez. Na UEFS, uma piada ilustra a natureza moral da crise: dizem que os gatos, habitantes do campus, fecharão os portões reivindicando rações melhores. Esse chiste mostra o óbvio: qualquer questão periférica ganha relevância em nossas universidades, enquanto nosso real interesse pelo saber raramente comparece.

P.S. Um pedaço desse texto, resumido pela autora, foi publicado no Jornal Correio, em 22/10/2015, o link:
http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/allex-leilla-a-granel/?cHash=85adc4a9d14f37701b3da1d267ad490f

sábado, abril 11, 2015

Os irrealistas (cont.)



Anos mais tarde, acompanhado de um grupo de poetas, retornei ao local. O fantasma ainda estava lá, como se nunca houvera saído, e não fez caso da minha fuga tempos atrás. Ele quem nos falou, pela primeira vez, na existência de uma cápsula capaz de nos levar de volta a um ponto específico da memória e, uma vez lá, desenvolver o que não foi, à época, vivido. Mas não poderia ser apenas uma vivência perdida, interrompida, frustrada, era preciso haver uma verdadeira fome por aquilo que não vingou. Fome genuína = desejo concretizado, sintetizou.
De início, nada compreendemos. Ele, na sua voz esquisita, pontuou: dentro do Vasto Abismo da Memória, havia uma vereda pro Parque dos Amores Perdidos, e quando adentrássemos nele, poderíamos acessar todos os trilhos não-vividos de afetos que nos foram extirpados ou interrompidos. Esses laços podem ser recuperados, explicou, deixando claro que se referia não somente aos amores que foram interditados por ações equivocadas, nossas ou de outrem, mas, também, aos afetos raros que a vida concreta nos obrigou a abortar. Para tanto, era necessário existir um fio genuíno na memória, bastava apenas um fio, ele frisou, e o novelo poderia ser retomado quando estivéssemos dentro da cápsula.
— Qual cápsula? — perguntamos, incrédulos.
O fantasma explicou:
— É uma espécie de bolha, onde você pode vivenciar amores perdidos. Ela lê os seus desejos outrora emitidos, lê sensações, até mesmo a atmosfera, bem como as expectativas. Combina possibilidades. Analisa tanto os impasses quanto as realizações. Não apenas suas, mas da pessoa desejada. Então, se for de comum acordo, você vive aquela paixão. Entra num fragmento do tempo e vive-a, como se fosse real.
— Mas que diabo de cápsula é essa? — indagamos.
O fantasma não gostou:
— Não blasfemem — disse, severo.
Pedimos desculpas, não tivemos intenção de blasfemar, era vício, maneira humana de se expressar.
— Que cápsula é essa? — perguntamos outra vez, gentilmente.
— A Cápsula da Criação — ele respondeu.
Rimos, desconfiados.
Um de nós lembrou:
— Mas essa cápsula é a de mestra Adan! Está restrita ao uso dos poetas que a mestra escolhe em suas oficinas.
Àquela altura, todos nós estávamos inscritos na fila de espera da mestra Adan.
O fantasma, pacientemente, replicou:
— A cápsula é da humanidade, mestra Adan apenas faz bom uso dela.
Continuamos a objetar:
— Como da humanidade?! Se a cápsula está sob o comando dela e, mesmo sendo poetas, nenhum de nós foi até o momento escolhido, como teríamos acesso?
Ele não parecia surpreso com nossa reação:
— Já disse e repito: qualquer um pode solicitar seu uso. É preciso apenas que tenha sentimentos verdadeiros no coração.
Bem, pensamos juntos, que se pode saber a respeito de sentimentos verdadeiros? São verdadeiros a partir de quê? De nosso julgamento? De outrem? Aquilo nos esmorecia, em vez de estimular.
Depois de engolirmos alguns minutos tensos, um de nós criou coragem e indagou:
— E o que são sentimentos verdadeiros?
O fantasma sintetizou:
— Aqueles que sobrevivem tanto a seu deus quanto ao seu demônio interior.
— Seja menos conciso — sugerimos.
— Use a linguagem referencial — pediu nossa amiga e única poetisa do grupo.
Ele suspirou:
— Sabe aqueles sentimentos que persistem mesmo quando estamos tontos de sono? Que navegam no lustre do quarto? Que se esgueiram pelas paredes, entram disfarçados no seu sonho mais profundo e, quando você acorda, lá estão, bailando, aos primeiros raios do sol?
— Sim — respondemos. — Conhecemos essa miséria muito bem.
Ele sorriu, um tanto contido:
— Se vocês têm esse tipo de sentimento em relação a um namoro de infância, um flerte de adolescência, uma paixão dos 20 anos, um amor que não vingou aos 30 ou uma perda irreparável aos 40... Se além de vocês, o seu ex-futuro par também guarda a mesma sensação, é possível vivenciar o que tanto se desejou.
Fosse pela capacidade explicativa dele, fosse pela própria ideia que, àquele mo-mento, nos pareceu divina, todos nós suspiramos, excitados:
— Que maravilha! — dizemos em uníssono.
Um de nós, pragmaticamente, quis logo saber:
— Quanto é?
O fantasma desentendeu:
— Quanto é o quê, meu querido?
Fizemos coro com nosso amigo pragmático:
— Quanto se paga por essa vivência?
Pronto! O fantasma ofendeu-se gravemente e ralhou conosco: era assim que nos dizíamos poetas? Uns pulhas de uns materialistas que só enxergavam dinheiro em tudo?, praguejou. Logo se via o tipo de literatura que estávamos a escrever. Alguém já tem livro publicado?, perguntou, sarcástico. Ramiro disse que sim, um de nós já tinha publicado, e apontou Maurício. As metáforas devem vir com cifrões então, disse o fantasma, fazendo-nos sorrir de uma analogia tão simplória.
— Não se incomode com esses sermões inúteis — cortou Maurício, o mais objetivo e o mais velho de nós. — Assim como você tem seus valores e suas leis, que lhe orientam a palmilhar aqui, no mundo invisível, nós também temos os nossos lá, no mundo concreto.
— Isso não lhe dá nenhum direito de fazer perguntas idiotas — resmungou o fantasma. — Com esse tipo de poeta parece que a humanidade vai muito bem!
A maior parte de nós ficou avexada diante do comentário jocoso do fantasma, Maurício, entretanto, sorriu, mais sarcástico ainda que o nosso interlocutor:
— Ok, nobre pirilampo, eu fiz uma pergunta inadequada. Me desculpe, por favor. Não houve intenção de lhe ofender. Eu não sabia que a Cápsula não recebe dinheiro. Quanto ao fato de ser um poeta materialista e capaz de elaborar perguntas idiotas, não acuse o grupo de ostentar tais qualidades, mas apenas a mim. Sim, sou assumida-mente materialista, e você não me fará ter qualquer constrangimento disso. Caso não se lembre, eu refrescarei de bom grado a sua memória: o mundo concreto é feito de matéria; quem está vivo, alguma concretude há de ter, alguns mais, outros menos, do contrário, lá embaixo não estaríamos. A propósito, você é o quê? Uma assombração anticapitalista?
— Não precisamos disso — resmungou Ramiro, chateado. — Já temos bastante discussão sobre poesia e matéria e anticapitalismo lá embaixo. Aliás, discussões inúteis são o que não faltam no mundo concreto.
— Inúteis? — retrucou Maurício, no seu tom irônico. — Está sendo bondoso, meu caro. São discussões bolorentas, isso sim. Uma verdadeira fossa pública.
— Assim são — concordou Ramiro. — Mas não queria falar de cheiros, entendeu? Se o nosso anfitrião diz que aqui não temos sentido algum...
— Ah! — tornou Maurício, ferino. — É verdade, aqui os sentidos faltam, havia me esquecido desse pequeno detalhe.
E riram, os dois. Riram de se contorcer. Eu e Maria Ágata rimos também, porém, com menos ênfase, afinal, éramos mais novos e nem sempre entendíamos as piadas e ironias dos poetas mais velhos.
O fantasma olhava ora pra Maurício, ora pra Ramiro, visivelmente confuso. Por fim, declarou:
— Custa zero centavo e 100% de merecimento vivenciar um verdadeiro amor na Cápsula da Criação.
Ainda nos olhava num jeito de quem estava magoado com nossa pergunta, todavia, aquela informação caiu como pétalas de flores sobre nós. Zero centavo e 100% de merecimento! Isso era tudo que precisávamos saber. Trataríamos de merecer então. Óbvio!
Ficamos quietos. Olhando o tempo, coisa que sabemos fazer muito bem desde que nascemos. Depois de uma hora, talvez duas de silêncio, Maria Ágata pediu desculpas em nome de todos. Um tanto reticente, mas já sem rancor na voz, o fantasma aceitou-as.

sexta-feira, abril 10, 2015

Os irrealistas (trecho de romance)



Mal entrei no recinto, o fantasma me avisou:
— Não temos mais nenhum dos cinco sentidos. Aqui, só podemos perceber e sentir. Quer seja sol, quer seja lua, rabo de cometa, gente, clorofila, verme, espinho, grão... desimporta: não há mais mediação, ou sentimos tudo diretamente ou não sentimos nada.
Eu me assustei:
— Isso não é possível! Como vai se sentir o que quer que seja sem a mediação dos cinco sentidos?
— É possível, sim — ele refutou. — Pense num sonho longo: sente-se tudo, todavia, jamais se acorda. Nesse estado, não se enxerga, não se cheira, não se prova, não se ouve, tampouco se toca.
Não acreditei:
— Então, como você sabe que eu sou eu?
— Sabendo. Eu te sinto e te reconheço.
Mesmo querendo me controlar, mesmo me esforçando absurdamente pra não dar uma de mal-educado, berrei:
— Sente onde? Sente como?
O fantasma reclamou:
— Não grite! E pare com essas perguntas bobas. Não há um espaço ou uma maneira específica por onde percebemos a presença de alguém. A verdade é que sentimos uns aos outros. E isso basta. Assim como ninguém lhe apresentou ao sol e você, ao acordar, já se deparava com seus raios do outro lado do mundo, lambendo até sua alma.
— Mas o sol? — eu o interrompi. — O sol não é uma pessoa, é um astro!
— Não importa — replicou o fantasma. — No tempo em que se está aprendendo a ser gente, essa camada pouco importa e você sabe disso.
Não me contive, gritei de novo:
— Pois não acredito! Aliás, isso está muito confuso. Você não fala coisa com coisa. É um louco!
Estava, em verdade, revoltado. Talvez percebendo meu nervosismo, o fantasma riu. E seu riso me lembrou vagamente o de um amigo outrora vivo.
Só então reparei: estávamos num lugar estranho, um terreno baldio onde jatos de fumaça saiam do chão que era cheio de talhos profundos, porém, estreitos. Três pessoas por ali perambulavam, mas não pareciam interessadas em nós. Por vezes, se encostavam a uma parede repleta de buracos e se punham a espiar. Não sei exatamente o quê.
Ficamos calados, eu e o fantasma. Eu observava as pessoas, a parede, os buracos, a fumaça que escapava em espirais do chão. De repente, uma das pessoas foi embora. O fantasma voltou-se pra mim e quis saber se quem saiu era homem ou mulher, queria que eu descrevesse tal criatura.
Estranhando aquela reação, perguntei-lhe:
— Você é cego?
— É uma pergunta sem sentido, meu amigo — ele pontuou. — Todos os fantasmas são, naturalmente, cegos.
Minha irritação cedeu vez ao estarrecimento: meu Deus, todos os fantasmas são cegos! Qualquer coisa de unhas pontiagudas me cravou a garganta. Quando dei por mim, estava chorando.
O fantasma me consolava:
— Não, não se desespere... Veja: os sentidos não são importantes aqui.
Eu não queria lhe dar crédito:
— Como não são importantes? Está doido? Os sentidos são sempre importantes, afinal, são nossos verdadeiros guias!
Ele refutava:
— Desse lado, não nos guiariam a canto algum.
— Por que não? — duvidei.
— Porque não existem imagens pra decodificarmos; não há sons viajando no espaço; de nenhum canto partem os aromas; os sabores não se materializam; e nenhuma forma pode ser tocada. Compreendeu?
Eu nada entendia:
— E como se respira aqui? — questionei.
— Não se respira — ele garantiu. — Se não existe corpo, não há razão pra se respirar.
— Que horror! — eu gritei. — É uma miséria de vida então!
Ele me consertou:
— Não é uma vida — e me olhava meio severo. — Você está com esses acessos infantis porque quer, ninguém lhe disse que se tratava de uma vida, isso aqui é uma etapa apenas.
Eu insisti:
— Se não há sentidos, como você pode ter certeza de que eu sou eu? Como poderá separar o real da imaginação?
O fantasma se chateou:
— Mas que antipatia!
Me fiz de desentendido:
— Qual?
— A sua! — ele refutou
— Não estou fazendo nada — eu me defendi.
— Está, sim — acusou o fantasma. — Está enchendo minha paciência com essa bobajada de certezas e sentidos. Nunca houve qualquer certeza através dos sentidos e não se separa coisa alguma da imaginação! Enxergamos o que nos interessa; cheiramos o que estamos a fim; provamos unicamente o que nos agrada; tocamos naquilo que desejamos; e só ouvimos o que nos convém. Por que insiste em fingir que há uma verdade imperdível nisso?
Eu fiz cara de ironia:
— Bem, não é todo mundo que está atrás desse platonismo aí. Na maior parte do tempo, a vida se impõe, e dentro disso a que chamamos vida, precisamos dos sentidos, se não de todos, ao menos de dois ou três deles pra nos guiar.
— É mesmo? E pra onde eles nos guiam? Pro inferno? — tripudiou o fantasma.
Vi que a coisa estava esquentando. Por precaução, me calei. Não sabia se era possível uma briga com um fantasma. O lugar por si só já era tão esquisito!
Ficamos quietos.
Depois de um enorme intervalo, me sentindo bem mais calmo, voltei a indagar:
— Escute, objetivamente, se não me vê, não reconhece meu cheiro, não me escuta, não pode me tocar, como sabe que eu sou eu?
— Eu te compreendo — afirmou o fantasma. — A partir do momento que senti que era você, passei a te entender.
— Mas como? — duvidei. — Como me identificou?
— Eu te sinto, simplesmente — decretou o fantasma. — Desde o instante em que se aproximou de mim, eu te reconheci.
— Nada disso — eu o atalhei. — Você foi quem veio até a mim.
Ele riu, de modo suave:
— Você tem certeza? — questionou.
Novamente pensei: esse jeito de sorrir me lembra vagamente um amigo já falecido. Mas quem? Quem, meu Deus?
Antes de conseguir uma mísera pista, um nome, um rosto possível, tive uma baita tremedeira: é um fantasma, lembrei. Subitamente, essa percepção me deixou em pânico. E mesmo sabendo que sim, estava claro que ele era um fantasma, desde o momento em que pus os pés no recinto, era por demais visível isso, todavia, uma vez em pânico, não há jeito: a adrenalina sobe e nos desgoverna. Uns ficam estáticos, outros, desmaiam, e há os que, como eu, se mandam. Foi o que fiz. Virei-me, rápido como jamais aprendi a ser, e corri, corri tal qual um louco perseguido por um batalhão de inimigos invisíveis, o fôlego comprometido, os nervos à flor da pele, tratei, enfim, de cair fora.

[continua amanhã...]

terça-feira, fevereiro 10, 2015

Santa Maria em dois dias



1. Você atravessou o país. E para atravessar o Brasil é preciso descer em três aeroportos (Salvador-Rio de Janeiro; Rio-Porto Alegre; POA-Santa Maria) e subir em três aviões. Você tem problemas de circulação sanguínea e, obviamente, suas pernas incham nesse vaivém pelas nuvens do país. Mas é preciso não ser tão Drummond assim, é preciso rir e ignorar as pedras do caminho, é o que você pensa, por isso, durante a viagem, toma muitos cafés com menta, fala com seu grande amor através de torpedos (pela Claro, pois a TIM não funciona no extremo Sul), e vai lendo um belíssimo texto de Orhan Pamuk, chamado A maleta do meu pai.

2. “O escritor fala de coisas que todos sabem mas não sabem que sabem”, escreve com uma simplicidade rara Pamuk, logo depois de ter afirmado: “ser escritor é reconhecer feridas secretas que carregamos, tão secretas que mal temos consciência delas, e explorá-las com paciência, conhecê-las melhor, iluminá-las, apoderar-nos dessas dores e feridas e transformá-las em parte consciente do nosso espírito e da nossa literatura” (p.27). Amém, você diz.

3. Numa das paradas, o terceiro café lhe dá vontade de um Marlborozinho. Vontade abortada, você constata: não se pode fumar em canto algum, está escrito, pior: desenhado em todos os cartazes. Mesmo fora do aeroporto, no ponto de ônibus, no ponto de táxi, mesmo atravessando duas pistas, está escrito e desenhado em todas as pilastras: é proibido fumar aqui. Você dá de ombros e guarda o cigarro. Não faz mal. Não tem problemas em não fumar, assim como, há cerca de 20 anos, não tem problemas também em fumar dois, três cigarros por dia, sobretudo após um bom expresso. Você pensa o que terá acontecido com os verdadeiros fumantes, aquelas pessoas que consomem duas, três carteiras diárias, que têm pavor de voos e aeroportos e, numa hora dessas, acoelhadas por tantos cartazes de proibições, devem passar muitíssimo mal. Olha em volta e não vê, todavia, nenhuma dessas pessoas. Terão sido exterminadas? Desistiram de lutar? Acoelhadas, você lembra, é um termo de Lygia Fagundes Telles.

4. Mas quer saber? Desimporta. Você dá de ombros e segue em frente, afinal, acaba de atravessar o país e, nesse outro canto do Brasil, já devidamente em terra e acomodada, percebe, estupefata, que também há pessoas que falam alto em quartos de hotel. Pior: há mães que tentam corrigir o comportamento dos filhos aos gritos e filhos que correm nos corredores do hotel como se estivessem num playground, ignorando os gritos fracassados das mães. Mais: há rapazes de boné que ouvem música no smartphone, sem fone, porque decerto julgam ser universal o gosto idiota deles por sertanejo, assim como há outros hóspedes monstros que não apenas assistem à TV, mas a anunciam ao andar inteiro. E você achava que isso de incomodar deliberadamente o outro fosse coisa de soteropolitano! Ai, ai, caramba!!! Você interfona à portaria e reclama: menos circo, por favor.

5. Os hotéis têm qualquer coisa melancólica que você não consegue explicar, e se ficam em rodovias, são ainda mais esquisitos, ainda que confortáveis. Esse se chama Park Hotel Morotin, e é rodeado, de fato, por um parque: verde tão verde a perder de vista. Ao fim da jornada, neste hotel, você abre o diário e escreve que atravessou ou desceu o país, geograficamente falando, e, assim, pode agora constatar que há taxistas e garçons gentilíssimos, há pessoas na rua que não se incomodam em parar pra te dar informações, bem como pessoas que sorriem gratuitamente pra você (ou seria pra ti?). Mais: aqui o sol se levanta tarde, às 6h40, o que lhe faz perguntar: não deveria ser às 5h? Pior: o sol se levanta tarde e se põe às 20h30, e não às 19h. É preciso jantar com o sol batendo no vidro do restaurante do hotel. É muito estranho porque, num efeito psicológico talvez, você vê o sol na janela e acha que não, não é hora de jantar! Vê o sol e acha, realmente, que não tem fome agora – muito embora seu estômago esteja lhe dizendo, neste momento, um sonoro “Epa! Não é bem assim!”

6. Os shoppings, veja você, são ainda mais iguais, repetem as lojas, os preços e mesmo as disposições das lojas e praça de alimentação. É como se fossem obrigados a uma lei invisível da repetição. Mas espere... Nesse Le Royale surge algo diferente: “prezado cliente, aproveitamos a água da chuva para nossas descargas”, avisa um cartaz no banheiro. Que simpático!, você pensa, todos não deveriam fazer assim?

7. Exceto por esse rasgo de consciência ambiental, você percebe que há uma lei universal da qual ninguém escapa – a lei da mesmice –, é o que abre as asas sobre nós. Donos de cachorros conversam com seus pets com aquela vozinha caricata de criança que você acha insuportável. E os pets respondem latindo, como todos os pets de todos os cantos do mundo, os olhinhos cheios daquela vontade tão antiga de dizer: “não sou criança, meu caro, por incrível que pareça, sou um cão!”

8. O shopping fica quase em frente à Igreja Nossa Senhora das Dores, que é muito parecida com todas as igrejas católicas por onde você já andou. E é nela, agora, onde você se senta, pronta pra beber o silêncio vertical dos vitrais. São minutos, horas talvez, dentro da paz colorida dos vitrais. Antes de ir, você se ajoelha, a fim de agradecer o lado bom da mesmice: o silêncio fundamental de todas as igrejas. Ah!, estava realmente precisada! Obrigada, amém.

quarta-feira, janeiro 07, 2015

Livros à metade



1. Meu amor me deu de presente de aniversário uma garrafa de Logan, e Ar de Dylan, de Enrique Vila-Matas. Ainda não inaugurei o Logan em respeito ao Buchannas, que ainda exibe oito dedos do mais profundo e castanho líquido. Assim, ambos aguardam - castanhamente pacientes, como é próprio dos uísques - que minha recente paixão por vinhos portugueses passe - passará? -, que eu retorne ao antigo, ao que não muda. E eu retornarei - penso, planejo, imagino, só não sei quando.

2. Quanto ao Ar de Dylan (mas que título péssimo em português, não?), leio Vila-Matas sempre muito devagar. Antes eu o devorava, porém, aprendi que não se deve devorá-lo, descobri o ritmo certo depois de uns 6 livros e agora não me permito mais de cinco páginas por dia. Muitas vezes, finjo que perdi o marcador e retorno ao princípio: eu já havia lido isso?, pergunto, cinicamente. Não, creio que não! E recomeço. Como os livros dele não têm começo, nem meio, nem fim, tanto faz por onde se entre ou se retorne. É desses autores que interessa quase 99% somente a escritores. Porém, seu estilo cola em nossas orelhas, contamina dias, semanas - daí a necessidade da parcimônia de leitor que há pouco descobri ter.

3. Não é pra quem procura histórias, é pra quem quer falar/pensar/respirar literatura. O mesmo prazer que experimentei quando li André Gide, nalguns livros de Cortázar (não todos) e, obviamente, com a literatura de Borges. Prazer puramente literário. Por isso mesmo, não indico esses autores a ninguém. No caso de Vila-Matas, além da eleição da própria literatura como centro de tudo, entram também impressões pop e muito nonsense - o que torna tudo patético e muito mais divertido que Gide ou Borges. Não é fácil de explicar, tampouco de produzir esse tipo de literatura. Seus imitadores são chatos justamente porque não conseguiram essa naturalidade de mentira que ele e seus antecessores têm. É de se ler apenas - mas que mais posso querer em janeiro, além de ler, ler, ler?

4. Como não posso ler Ar de Dylan de uma vez só, leio também outros livros. Não é novidade que todo leitor deve sempre ler dois, três, por vezes, cinco livros ao mesmo tempo, correto? Deve ser uma lei cósmica, pois hoje todo mundo confessa esse hábito múltiplo. Os meus simultâneos nesse momento são Quem de nós de Mario Benedetti, e Mar inquieto, de Yukio Mishima.

5. Mishima ainda não me disse a que veio, o romance traz aquelas histórias que já lemos trocentas vezes: alguém se apaixona por outro alguém que vem de uma classe social distinta e isso vira um empecilho ao amor. Que chato!, penso diante de um argumento tão insignificante. Bastante descritivo, o autor vai acrescentando aqui e ali uma nota psicológica ao enredo, que é o que salva até agora o livro. É a história de um rapaz pescador, numa ilha medíocre onde absolutamente nada acontece. Narração em terceira pessoa, onisciente e monótona tal qual a ilha. Imagino que seja pra passar essa sensação de vida estagnada ao leitor. De repente, chega uma moça atraente na ilha. Filha de um rico morador que quer que ela se case com outro bem nascido das redondezas. E adivinhe? O pescador pobre começa a se interessar pela moça rica. O pai não irá permitir, é claro. Que vai acontecer? Alguma tragédia, suponho. Se assim não for, estará apodrecido o romance. Terá de haver uma boa tragédia a fim de salvar essa história clichê. É a única estratégia que se pode usar num caso assim. Mas eu me pergunto se terei vontade de saber mais tarde, amanhã, talvez? Qual! Toda hora largo fora o livro e fico repetindo a mim mesma: mas não me disseram que era bom esse Mishima? Não me garantiram que era um puta escritor? Que aconteceu?

6. O livro de Benedetti também fala de uma história pra lá de clichê: um triângulo entre uma mulher e dois homens. Melhor dizendo, um adultério feminino. A questão, entretanto, jamais é simplória, pois se trata de um prosador de mão cheia e com ele jamais perdemos tempo. É o terceiro livro dele que leio. Estou na metade desse. É pequeno, bem pequeno, mas não tenho pressa nenhuma, afinal, janeiro é meu mês preferido, mês em que posso deixar tudo pela metade (hehehehehe)! Como escreve bem Benedetti! A cada página murmuro: mas que sacana!

7. A história toda é uma bobagem - todas as histórias alheias não são absurdamente bobas? -, o que ocorre de diferente com Benedetti é que ele tem uma lente própria, nasceu com ela, imagino, e vai usando-a pra filtrar tudo que é mais intrigante e reflexivo na conduta dos personagens. Mesmo a história sendo déjà-vu, ele retira dali algo inusitado e/ou reflexivo, com o qual se pode aprender. Isso não é fácil e é o princípio de toda arte. Leio um pouquinho, paro, olho as amendoeiras, vou à cozinha buscar café. Estou na varanda, que é o melhor lugar pra se ficar em janeiro. Retorno e leio mais um tantinho. Olho o relógio. Daqui a pouco tenho de parar e escrever, afinal, também sou uma escritora, não? Mas, bem, vou ler só mais um parágrafo... Leio. Não é que ele me surpreende mesmo? Todo bom prosador é um verdadeiro filho da puta, está claro, todavia, que dizer de um prosador que, além de bom, é enxuto? Grandessíssimo filho da puta?

8. Exemplifico: numa cena em que o menino presencia o pai agredir verbalmente à mãe, pensamos que vamos entrar num sem fim de traumas que tal episódio gerou na criança. A cena por si só é batida demais e logo eu me vi dizendo: lá vem essa chatice de rapazes com problemas com a figura paterna, que saco! Porém, o que Benedetti destaca? O anel de pedra vermelhíssima que o pai usava e o espanto do homem de hoje que, ao recordar tal cena, confessa-se igual ao pai. Isto é, mesmo lá, quando menino, já concordava com tudo que pai dizia a respeito da mãe. Não concordava com a violência dos verbos, com as agressões paternas, mas concordava com o significado deles. Assim como o comportamento medroso e passivo da mãe lhe irrita profundamente, mas o sentido de suas palavras, sempre tão doces, não! Então, o personagem é um cidadão que costuma compreender o significado das coisas, todavia, raramente concorda com suas formas, concluo. O mais interessante é que Benedetti não diz isso em momento algum, apenas nos induz a pensar isso do personagem. Em seu livro, é tudo aberto e contínuo, qual praia onde vamos por onde queremos ir. Tive de reler a cena. Mas de onde ele tirou isso?, fiquei me perguntando, de onde ele tirou que se pode discordar do significante e não do significado? Não é o contrário, quase toda a história da humanidade não é justamente o contrário?

9. Esse último escritor eu indico a qualquer pessoa. Claro. Se quiser, comece por A borra de café. E bom janeiro pra você!

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...