quinta-feira, novembro 20, 2014
Enquanto não morro, envelheço
1. Enquanto não morro, envelheço, neste planeta molhado, donde entramos há poucos dias - trégua que Salvador nos dá antes do verão? -, neste planeta onde ficamos bem, um tanto azul-turquesa, um tanto azul-marinho, pois por mais problemas que saibamos vir a reboque da chuva, ainda é a chuva a linguagem mais densa e verdadeira que a natureza pode ter conosco.
2. Enquanto não morro, envelheço, véspera dos 43 e pensando o quanto seria perfeito se isso ocorresse agora, entre suas pernas e braços, agora, entre seus pêlos e dentes, agora, no nosso quarto, na sala, nas escadas, na chuva lá fora, em qualquer que fosse o canto, desde que entre suas pernas.
3. Enquanto não morro, envelheço, feliz por de repente sorver o silêncio - tão raro, tão fugidio - o silêncio nas folhas das amendoeiras, o silêncio dos passarinhos se sacudindo, o silêncio que mora embaixo da reforma irritante do prédio vizinho, o silêncio massacrado pelas rodas dos carros impacientes, pelas conversas estridentes de quem passa lá embaixo, falando besteiras no celular.
4. Enquanto não morro, envelheço, perscrutando o "depois" nos passos dele, vagarosos, na cozinha, no banheiro.
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