quarta-feira, fevereiro 22, 2012


São 6 dias em Buenos Aires, sem pacote e sem guia. Soltos feito pássaros na multidão. Andamos horas a fio, cortando avenidas largas, perdendo-se em livrarias e museus, descansando em belíssimos cafés e melancólicos parques. No Parque 3 de Febrero, de tão cansada, dormi no colo de João Filho, enquanto ele lia poemas recém-comprados de Rodolfo Godino. O dia é longo e as horas sobram. Fomos ver a casa de Borges, pequena e "cerrada" pra visitas. Palermo Viejo é como uma Vila Madalena mais vigorosa. Muitas avenidas lembram Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, mas aqui são maiores, bem maiores. É preciso ter cuidado com os "almuerzos" que já incluem bebida, prato e sobremesa: - Una copa de cerveza o de viño, señora? E nisso podemos comer demais ou adquirir novos hábitos, eu, por exemplo, tenho gostado de beber cerveja antes do almoço. Sempre tive antipatia por cerveja. A daqui é leve e sempre gelada, no ponto. Percorremos toda a rua Suipacha e não encontramos Cortázar na sacada, a vomitar coelhos. Hoje ainda continuamos. Que a vida, quando acertada, há de ser este paraíso: andar numa linda cidade, ao lado de quem você ama.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012


Mas a vida precisa realmente de um sentido? E se o tivermos, perderá ela o não-sentido que lhe é intrínseco? E se o tivermos, as questões sem respostas se resolverão? Diminui a dor quando se tem um sentido? Diz-me assim, e assim te digo também, ambos a buscar esporas ou atalhos, cantos abastados de luz, desde que encarnamos: pescoço fora d’água, pescoço vez em quando a querer enterrar-se, seja n’água, seja em solo, que importa o lócus quando tudo derrapa? A vida não tem dia de ir, mas este pode acontecer mesmo agora, enquanto se digere a torta de maçã e o café amargo. Pode ainda ser amanhã, quando encontras o grande amor de tua vida e inesperadamente decidem (Quem? Por quê?) que não o terás mais ao alcance. Nessa gratuidade, biológica, vazia ou divina, arrastamos-nos ou, se assim o quisermos, ou sobrevoamos: asas ora azuis, ora vermelho-carmim. Mesmo tendo, amor meu, em ti todos os sentidos, a vida continua dura quando tem de ser dura, continua bela, posto que também é beleza plena, continua finita, uma vez que jamais a aguentaríamos se, por desgraça, fôssemos de todo sem fim.

domingo, fevereiro 12, 2012


Pena não ter nascido na época certa. Chove, a tarde é propícia, tenho comigo uma caixa colorida de giz. Pintar o sol que chuva levou embora, naquele outro tempo, quando você ainda era vivo e me fazia feliz. Os cantos da casa molhados de uma luz que me fala do impossível: o não-vivido, o não-experimentado, o que continua a impressionar, a doer. O olhar vai encontrar formigas carregando pedaços de alimento branco-amarelado, açúcar, farelo de pão, talvez. Juntas, companheiras, sobreviventes. Sei que é muito tarde pra desejar ser feliz, mas quando consigo aquela sensação de sonho e conforto das manhãs, penso ter alguma chance de tocar em você, te sentir inteiro, presente. Ontem, quando voltávamos do Nordeste, o Felipe perguntou se sofri muito com a tua perda, se estou resignado, se já te esqueci. Nunca havia reparado antes no Felipe: ele tem uns olhos límpidos, uma voz segura, ombros largos, boca perfeita. Depois dos shows, há sempre um bando de meninas no camarim atrás dele. Enlouquecidas. [...]
In: O sol que a chuva apagou, 2009, p. 04)

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...