segunda-feira, dezembro 31, 2012

terça-feira, novembro 06, 2012

Para quem me perguntou onde adquirir o romance "Primavera nos Ossos", seguem os links:
Site do Publifolha, por R$ 25,00, link:
http://livraria.folha.com.br/catalogo/1160902/primavera-nos-ossos

Na Livraria Cultura, também a R$ 25,00, link direto:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=25000228&sid=87942824714116442621237753

Na própria editora Casarão do Verbo, pelo e-mail:
rosel@casaraodoverbo.com.br
Falar com Rosel Soares.

sexta-feira, novembro 02, 2012


É quase sempre o mesmo:
Eu te procurando no meio a tantas estrelas de ontem
Estrelas que já não brilham
ecoam mortas no firmamento
a lembrar séculos de luz e orientação
Não mais
Esta é a velha história das coisas quebradas,
as coisas desligadas que, por pirraça, ainda refletem luz morta no escuro
Oh, minha pequena estrela!
Minha vida vazia de lume
Sempre é breu quando faltas
Só a memória pura delicadeza da tua voz pela manhã
Cala o que quer de inquieto que a noite trouxe
Um segundo de novo em teus braços mornos
e minha vida se acenderia inteira
Uma vida de star?
Somente ao teu lado, doce estrela azulada.

quarta-feira, outubro 31, 2012


ANTOLOGIA DE CONTOS ERÓTICOS

Coletânea, que está saindo pela Geração Editorial (SP), será concorrente nacional do best-seller “Cinquenta tons de cinza”

“50 versões de amor e prazer – 50 contos eróticos por 13 autoras brasileiras”, livro organizado pelo professor de literatura da UFPB e escritor Rinaldo de Fernandes, é um concorrente nacional, mas primando pelo grande valor das narrativas, pela grande qualidade das autoras, do best-seller “Cinquenta tons de cinza”. A escritora baiana Állex Leilla integra a coletânea com quatro contos: “Hot dog”, “Epiceno”, “Souvenir” e “Três elefantes”.
“50 versões de amor e prazer”, que está saindo pela Geração Editorial (SP) e chega às livrarias de todo o país daqui a duas semanas. traz, segundo o organizador, uma série de contos primorosos, de alta qualidade literária. As 13 escritoras que integram o livro são todas importantes e premiadas no cenário da literatura brasileira atual. São elas: Ana Miranda, Ana Paula Maia, Andréa del Fuego, Ana Ferreira, Állex Leilla, Cecilia Prada, Heloisa Seixas, Juliana Frank, Leila Guenther, Luisa Geisler, Márcia Denser, Marilia Arnaud e Tércia Montenegro.
Hoje, segundo o longo ensaio de Rinaldo de Fernandes que vem como posfácio do livro, em poucas obras literárias há um bom tratamento do tema do erotismo. Esta “50 versões de amor e prazer” vai de encontro a uma série de outras obras justamente por trazer peças de grande qualidade. As 13 autoras reunidas na coletânea constituem um conjunto primoroso de talentos.
E como é elaborado o erotismo na obra? Ainda segundo o ensaio do organizador, “ora romântico, refinado, implícito, ora obsceno, pervertido, bizarro – reflete de algum modo, e criticamente, nos momentos mais crus, a cultura da pornografia, a indústria do sexo e seus incontáveis produtos”.
“Hot dog”, de Állex Leilla, flagra uma mulher no trânsito que de repente se depara com um “ex-amigo” – e aí lhe ocorrem imagens intensas, de instantes que ela passou com o rapaz; a mulher revive ao volante cenas de sexo bizarro. “Enquanto seu lobo não vem”, de Ana Ferreira, é escrito em forma de carta, da mulher para o marido pedófilo.
“A sesta”, de Ana Miranda, é um conto notável – ativa o apetite do leitor ao associar os campos semânticos do sexo e do paladar. “Perversão”, de Ana Paula Maia, é a história de um homem casado cujo prazer erótico está em seduzir outras mulheres e dispensá-las após um jantar romântico, deixando-as arrasadas. “O amante de mamãe”, de Andréa del Fuego, é demolidor – a mãe e o pai, as aparências preservadas, optam pela traição; a filha almeja um amante como o da mãe.
Cecilia Prada, em “Insólita flor do sexo”, de um erotismo requintado, relata as descobertas de uma menina de 13 anos num colégio de freiras (tem o desejo despertado por uma das freiras que parece “um homem” e que a menina, retocando-lhe a figura, imagina ser seu “namorado”).
“Romance de calçada”, de Juliana Frank, é magistral – trata-se de uma pequena obra-prima da narrativa sadomasoquista. “Pérolas absolutas”, de Heloisa Seixas, traz como protagonista uma mulher que circula de carro na noite e se depara com um travesti – a narrativa expõe os subterrâneos, as sombras por onde os seres, solitários e sequiosos, deslizam na grande cidade. “Romã”, de Leila Guenther, é a história de Lia e sua relação com um professor de psicologia. No conto um incesto é insinuado.
Luisa Geisler tem apenas 21 anos e é uma das revelações da literatura brasileira. “Penugem”, com um narrador-personagem astuto, aparentando não ser o que de fato é (um pedófilo, “espectador” de sua própria filha), é um conto estupendo. As protagonistas de Márcia Denser são irônicas, liberadas, permissivas – uma das melhores cenas de sexo de nossa literatura é a do desfecho de “O animal dos motéis”.
Marilia Arnaud é uma contista impiedosa – o premiado “Senhorita Bruna” é sobre ciúme e vingança (traz uma frenética cena de masturbação). “Curiosidade”, Tércia Montenegro, com a protagonista numa varanda, “nua e indefesa”, induzida pelo parceiro, explora o tema do exibicionismo. “Um caso familiar”, também de Tércia, é um conto imaginativo e impactante – Jéssica, a amiga da narradora, pratica sexo (ménage) com Rubem e a avó deste.
“50 versões de amor e prazer”, certamente, é representativa da boa literatura feita por mulheres hoje no Brasil.



domingo, agosto 12, 2012


Rondó Muito Louco

Sabeis promessa de vento,
viagens que não podeis.
Sabeis a lua impossível
e o corpo que não tereis.
Ai, tivesse alguma espécie
de tudo que me dareis!
Ilha de Capri não tendes,
então como prometeis?
Anel de areia luzente,
onde é que me encontrareis?
Corpo de relva molhada
por que não me inventareis?
Mar de quanta coisa louca
onde me enlouquecereis?
Sabeis promessa de vento,
Onde e quando cumprireis?

CELINA FERREIRA (poeta mineira, morta em 05/08/2012)
Mais poemas em:
http://www.ronaldowerneck.blogspot.com.br/

quarta-feira, julho 25, 2012


Zéo: não entendo por que você foi embora tão cedo. Ficou me devendo um vinho do Porto, que tomaríamos numa tarde livre de quarta, eu, você e João, aqui em casa, na varanda, olhando as amendoeiras. Tomo este cálice agora sozinha e leio os últimos escritos que você me enviou por e-mail.
Vá em paz. Sentiremos em excesso a tua doce falta.
Te amo.

[...]
3
E lá estamos: jogados no vazio. Quem nos recordará? De qual desejo fazemos parte? Nem mesmo as solidões se encontram.
4
Suicidiário – um neologismo para nomear o morrer contínuo a nos habitar.
5
Os desvios nos levam ao outro, aquele que nos multiplica e nos faz desaparecer ao dobramos esquinas.
6
As interrogações não trazem respostas. As portas e as janelas não se fecham, nem se abrem.
A inutilidade delas trai toda a paisagem.
7
O que é mesmo uma paisagem?
8
Atravesso de um lado para o outro e de novo atravesso de um lado para o outro e de novo atravesso de um lado para o outro e de novo atravesso de um lado para o outro e de novo atravesso e sou atravessado.

José Luís Franco (1960-2012)

sábado, julho 21, 2012

(Foto by João Filho, Niterói-RJ)


“PORQUE QUEM NÃO É CONTRA NÓS É POR NÓS”

Para Renato Russo
in memoriam


– Fica. Por favor, fica. Ei... olha pra mim: sou um homem cansado, tão velho e cansado me acho que fico a lembrar a coisas pequenas. Teu hálito na madrugada... Sabonetes cheios de pêlos... Tampas perdidas de xampus... Ânsias que me faziam engolir uma dúzia de analgésicos. Teu país e teus costumes. E tantos detalhes de sobrados, de tapetes, de largos, de noites, que não mais sei se são teus, mostrados por tua verdade que acasalo, ou se de repente eu mesmo os vi, tonto que ando pelas ruas nesse mundo de buracos que me espantam... Buracos que... Por que diabos estou rindo? Não, não, olha, não é nada engraçado, tem pavor de buracos públicos. Tenho os medos mais absurdos do mundo, e eles apenas significam que na verdade eu já não tenho medos, mas descargas. Uma tensão que sobe, dói, me impede de dormir seis horas de sono, me faz andar nos ladrilhos desprotegido, contrair vírus noturnos, amanhecer tossindo. Fica, evita essa enxaqueca pra mim. Eu fumo tanto, bebo tanto, como quase nada, se você não está aqui pra brigar comigo, pra implicar com o que faço, o que desfaço, o que esqueço, pra estabelecer horários superiores aos meus tão naturais. Você é tão disciplina, amor, tão lembra-tudo, tão faz-tudo... Sei lá, esse seu jeito de andar arrastando minúcias pela semana: o que precisa de conserto imediato, o que tem de ser jogado fora por culpa minha... Eu não me importo, nunca me importei, só preciso que fique aqui, no meu país, falando minha língua, saindo comigo e com meus amigos, os quais gostaria que fossem seus também... Sabe o que eles dizem? Dizem que você é a pessoa certa pra mim, dizem que você fala português direitinho, que eu, enfim, tomei jeito de gente, que você é muito bonito... É sério, por que você está rindo? Você é bonito pra cacete, porra! Olha, demorei a acreditar que aquele olhar atravessando o néon e o barulho daquele raio de boate, aquele olhar que achei de repente tão puro, fosse destinado a mim. Um cara desmilingüido como eu, escondido atrás de copos de uísque, barba, óculos e camisa de mangas compridas, escura... Um cara bonito, pele limpinha, gostoso assim, eu disse, não olharia pra mim. E os meninos: “é pra você sim! Olha lá, olhou de novo, tá te encarando!” Meu Deus, eu pedi outro uísque, “gente, de onde ele saiu, não me enlouqueçam!” Perguntava, perguntei a todo mundo: amigos, conhecidos ou não, quem era, se era novo por ali, quem podia me apresentar a você. Veja, até ali, naquela porcaria de lugar onde todo mundo se pega e se acha no direito de avançar, eu tinha pudores de uma abordagem direta. Disseram: “conheço, acho que já o vi na praia”. Que praia, que praia, quando, com quem? Era tanta ânsia de repente... Ele é tão jovem, era o que eu pensava, você é tão jovem, amor... Aí, alguém me perguntou se eu tinha gostado de você, pois podia nos apresentar, “gostei, ô, se gostei!” Me movimentava lento e sabia que tinha de ser rápido no meio daquele monte de pernas grossas, escondidas em calças jeans. Não tenho certeza de quem puxou minha camisa e disse “ele é gringo”, “gringo?”, eu devo ter gritado. “É, ele é norte-americano”, sopraram outra vez. Juro que não estou fazendo cena, eu sinto tremor até agora, sabia? Nossas mãos se tocando, amor, eu te convidando pra beber alguma coisa, “não bebo”, você respondeu, “americano de onde?”, te perguntei, “de Phoenix, mas moro em San Francisco”, “não diga, eu adoro San Francisco!”, “oh, verdade?”, really, really, my love, eu pensava, enquanto as pessoas nos empurravam pedindo licença. “Estamos impedindo a passagem de quem vai pra pista de dança”, você gritou, “você dança?”, perguntei, nossa, eu perguntei na hora exata em que trocavam de música e de ritmo, o copo pesando na mão, “dança comigo?” Ah, Johnny, você disse yes, yeah, ok, que porra mesmo você disse? “Sim, danço”. Minhas mãos não se contentavam em apertar tua cintura, queriam te despir logo, em qualquer lugar, naquela noite de surpresas que você me reservou, tua voz em inglês dizendo que eu era o primeiro a te penetrar de verdade. Eu não queria acreditar que você só tinha tido até ali amores orais. “Primeiro-primeirinho?”, eu caminhava depois no corredor, na sala, na varanda, na cozinha, enquanto você dormia, “o primeiro? Será possível? Com toda aquela suposta evolução sexual do mundo norte-americano?”, caminhava jogando fumaça fora, não acreditava que tinha conseguido te trazer pra minha casa, não acreditava nas palavras que dissemos de joelhos na cama, olho no olho, coisas fortes que não se diz na primeira vez, “quero ficar contigo além dessa noite, todas as noites da minha vida, envelhecer do teu lado”. Até hoje isso me entontece, sabia? Pode dizer que é vaidade, bobeira ou romantismo barato. Não importa, fiz parte do teu segredo, eu te conduzi à noite inteira até que, exaustos, nos mordemos na boca e você adormeceu... Se você não ficar, o que será do meu peito sem este segredo? Repito que sou um homem cansado, 48 anos velhos, velhos. Já não tenho muito pra estragar, veias fodidas de heroína, fígado fodido de álcool e enlatados, narinas fodidas de pó, cigarro, São Paulo-Rio, Rio-São Paulo... Te contei que, às vezes, meu pulmão esquerdo parece abafado? Eu digo esquerdo, mas pode ser o direito também, ou ambos, algo que sufoca na altura do coração, que espalha, espalha... Pode ser o rim, sei lá, uma dor comprimida, complicada, enchendo todo esse lado aqui, entende? Eu diria que tem poeira correndo junto com o sangue pelo corpo todo, e quando chega aqui, justamente nessa passagem, uma corrente maior de oxigênio talvez... Ou de gás carbônico... O que é que há? Não faz essa cara não, estou dizendo porque sinto, se você ficar eu prometo fazer um monte de exames... Ok? Parar de fumar, correr contigo de manhã cedo, mudar a alimentação... Não é por chantagem não, é que se você for embora pra mim tanto faz o rim, o coração, o ar, o pulmão direito, o esquerdo, que doam até a morte, que se fodam... Eu pouco me importo, Johnny, pouco me importo... Bom, pelo menos é uma dor pra me tirar dos lençóis frios... Né? O que foi? Por que este balançar triste de cabeça? É pra mim que está fazendo esta negação? Ah, Johnny, Johnny... Vem cá um pouquinho, vem... Só pra eu te sentir mais uma vez comigo... Assim... Adianta pedir no teu ouvidinho, assim, bem juntinho... Hummm... De leve... Beijando assim... Cara, que cheiro gostoso você tem aqui, hein! Te pedir pra ficar... Adianta? Fica, vá... Vamos mudar a decoração da casa, eu compro tudo que você achar bonito, tudinho, vamos mudar de apartamento, de rua, de bairro, de cidade... ‘Cê quer? Vamos comprar uma casa à beira mar, com varanda e cachorros no quintal? Hein, amor? Ficar, me ajuda a criar minha filha, se você a visse agora dormindo lá no quarto lilás dela, sonhando com bonecas, tão alheia à desgraça que está acontecendo com o pai dela... Venha comigo um instante, Johnny, vem ver... Não, não vamos acordá-la, não se preocupe, só quero que você a veja dormir, como ela dorme tranqüila, segura de que amanhã eu vou levá-la de volta pra casa de sua mãe, onde ela vai passar a semana, brincando e estudando, estudando e brincando, até chegar o sábado e de novo eu ir buscá-la... Jamais imaginaria que no próximo fim de semana o pai dela vai estar fora de órbita, drogado, embriagado, caído em algum quarto de hotel com algum desconhecido, ou aqui mesmo, num estado lamentável, sem atender telefonemas, sem comer, sem dormir, só esperando e torcendo pra que você se arrependa e volte e arrebente a porta da rua e... Você tem coragem de abandonar o pai dessa criança, Johnny, de nos fazer tanto mal assim? Não tô dramatizando, tô falando sério, fica, pelo amor de Deus ou de qualquer outra porra que exista nesse mundo e você considere e acredite, fica! Quando eu terminar este maldito filme, a gente tira férias... Você escolhe: campo, montanha, mar, neve... Onde você quiser... Eu vou estar tão cansado que, sabe?, tanto faz, tanto faz... Três anos com este projeto de filmagem na cabeça... Três anos de um lado pro outro atrás da materialização dele... Deus, como estou cansado... Só penso em terminar, terminar, terminar... Olhe, vou te contar uma coisa, quando eu ficar mais velho um pouco, daqui a alguns anos, vai ser impossível acalentar ilusões neste lugar, percebe? Eu vou embora daqui, vamos os dois embora, amor, minha filha vai estar crescida mesmo, ocupando-se com os seus próprios filhos, aí, então: bye, bye pras idéias de tomadas e diálogos... Tá ficando tudo velho e repetitivo mesmo, há séculos que está, mas eu insisto, insisto, que mais hei de fazer nesta vida? Nada, nada, bye, bye pra política, pra literatura, pra música brasileira... A gente pode ir pro teu país, falar tua língua e viver perto de sua gente... Sim, eu sei, sua gente não existe, você vivia só há muito tempo, tudo bem, tudo bem, mas sei lá, deve ter alguém, não? Um primo, um amigo... Hã? A gente compra um sítio, ‘cê não gosta de sítio? Então! Nós dois, só nós dois. Plantaremos frutas, plantaremos alface, lá na tua cidade dá alface? O que é que se planta por lá? No campo. Vamos viver no campo, que nem aqueles hippies já esgotados, que simplesmente cortam a urbanidade de uma vez por todas de suas vidas... Quantas vezes você me disse que adorava a paz dos campos, o silêncio, o frescor? E eu nunca estava disposto, nunca, de um lado pro outro soprando fumaça, Rio-São Paulo, São Paulo-Rio, telefonemas, papéis, dinheiro, jornais, festivais, aviões, carros, carros, referências, livros, livros, adaptações, cinemas, cinemas. Chega. Não quero mais, eu te juro, cansei. Já faz tempo, venho me sentindo cansado não é de hoje... É só o tempo de terminar o último filme, amor, é, o último mesmo... Depois vamos pra sua terra... Falar tua língua... Não se preocupe que eu não vou tentar uma de cineasta na tua América Unida não, o único lugar que precisa dos meus filmes é este país desgraçado onde ninguém dá a mínima pra cinema nacional... Nós vamos viver bem, você sabe que alguma grana a gente tem, sou um cara de sorte, afinal, você também é, eu falo legal a tua língua, então não vai ter problema, sei tudo sobre como se virar fora do Brasil, já me virei tantas e tantas vezes, meu Deus!, você nem era nascido ainda... Então, você fica? Olha, vou fazer uma montagem em Nova Iorque neste filme... Pra você... Nova Iorque amanhecendo, Nova Iorque anoitecendo, vista pelo alto, por terra, por janelas de carros velozes, New York, New York... Ponho aquele cantor brasileiro que você mais gosta pra cantar no meio... Eu tenho um amigo que conhece ele, sabia? É, já foram amantes e tudo... Ou você prefere na gravação original do Sinatra? Quem sabe, quem sabe... Você está tão mudo... Detesto que fique assim... Me abraça, fala alguma coisa, vou colocar são Francisco... Filmo você andando na penumbra em São Francisco... Se você quiser, vamos pra lá amanhã mesmo filmar, não tem problema, eu dou um jeito, sempre dei um jeito de conseguir todas as cidades ideais... Faço qualquer coisa por você, pra te agradar... Hein, Johnny, diz que quer, vá... Já me viu chorar antes? Pois olhe, olhe pra mim... Amor, me sinto tão fracassado... Duvido que você tenha coragem de separar tuas roupas das minhas... Eu pus meu nome e o seu em todos os livros, que nem adolescente babaca, e não pus o “e” ligando-os não, pus and... é, and, que babaca! Nossa, um cara na minha idade... é o fim, né? Quando me apaixono sou tão idiota, tão idiota... Não sei falar engasgado assim, é difícil... Você deve estar pensando que choro pra te convencer, que sou um filho da puta sujo, chantagista, baixo, mas eu sou mesmo, sou, não me importo, nunca me importei... Vem cá, deixa eu te mostrar uma coisa: tá vendo esta foto aqui na minha carteira? Ando com tua foto o tempo todo, apresento você às mais diferentes pessoas, “este é o Johnny, meu companheiro, meu namorado, meu menino”, sempre que perguntam se sou solteiro etc, etc., e aqui, atrás da tua foto, sabe o que guardo? A letra daquela música que você cantou uma vez pra mim, lembra? Naquele dia difícil só tua voz poderia cantá-la no meu ouvido. Sempre que a escuto, os acontecimentos daquele dia me voltam inteiros: meu pai morrendo no corredor de um hospital, dois dias depois de minha mãe ter partido; o choro dos vizinhos, dos irmãos, dos parentes, dos netos, tinindo, tinindo... Só eu não conseguia chorar, nem comer, nem dormir. A cabeça formigando, você pedindo pra eu relaxar... Mas como relaxar? Não podia, não tinha condição nenhuma. Então você veio, acariciou meu peito, as mãos, pressionava na testa, entrava com os dedos pelos cabelos, lentos, calmos, companheiros... Só teus dedos poderiam, sabe? Correr tão vagarosos pelo pescoço, ombros, peito, abdômen, até a planta dos pés, e depois, na volta, descasarem úmidos sobre meus quadris, ao mesmo tempo em que você aproximava sua testa à minha e escorregando um pouco os lábios pro lado esquerdo do meu rosto, buscando meu ouvido, começava a cantar Stand by me todinha e mais de uma vez. Você canta tão legal, Johnny! Sério, sério, não faça esta cara irônica, você canta superbem! Só mesmo tua voz foi capaz de me trazer de volta daquele estado perturbador, eu já não conseguia ver os objetos, os móveis, as ruas, em seus lugares fixos, encaixados, sem que fosse imediatamente tomado por uma vertigem, uma sensação ruim de que tudo estava se movendo, ia despencar em minha cabeça, me achatar contra a terra, entende? Não, você é difícil, você não acredita, pensa que estou dramatizando pra te impressionar... E estou mesmo, estou, não nego que esteja, o que você quer que eu faça? Que me sente e aceite numa boa te perder? Não, você não vai embora, não vai passar por aquela porta enquanto eu estiver vivo... Olha pra mim: tá vendo este suor frio na minha cara? Suor de quem já não se sente capar de continuar um segundo a mais nesse duelo... Sim, porque está virando um campo de forças isto aqui, sempre foi, aliás, sempre foi, você não é uma pessoa fácil, devo considerar... Mas antes havia mais carinho e dissimulação... Dissimular, às vezes, é bom, faz as pessoas estarem mais próximas sem tantas rugas... Enfim, estou cansado... Que queres que eu faça pra que fiques comigo? As noites que passamos separados daquela outra vez que fostes embora foram tão ruins... Podres, podres, um retrocesso. Antes de você era mais fácil suportar as noites insones, noites de choro contido – porque não sei chorar de verdade, é aquela coisa, a doença de macho, sabe? Passa de avô pra pai, de pai pra filho, de filho pra neto –, ah, são noites suprimíveis que nunca passam, e eu, impaciente, me desgraço por aí atrás de qualquer diversão, preenchimentos, fuga, sexo com desconhecidos, meninos pagos, gozos rápidos, sexo com camisinha, oh, Johnny, você não faz idéia de como odeio camisinha! Odeio-odeio-odeio-odeio! Com você é tão diferente, tão morno, tão certo, tão sem máscaras! Mesmo quando inventa que estou te traindo e exige exames e o uso maldito de preservativos, a forma como você exige, como coloca essas coisas entre nós, é tão ímpar! Em vez de me irritar só me apressa mais a realizar os exames, a te provar que estás errado, não te traio nunca, não tens nada a evitar de mim... Sempre tive sonhos bons depois que nos amamos... Uma vez teve aquele dos campos de trigo imensos, infinitos, campos de um amarelinho nascente que dava gosto ver. Ficavam balançando, os campos, o amarelo, até o céu escurecer e encobri-los de negro... Não acontecia nada no sonho. Só isso. Tão bacana sonhar assim... E temos tanta vida pra dividir ainda, Johnny... Por que diabos você não fica aqui comigo? Disse outro dia que eu era teu melhor amigo e agora que ir embora... É assim que trata teu melhor amigo? Poxa, falta tanto filme pra gente ver junto... Fiz uma lista na semana passada, anotei uns que tenho certeza: você nem era nascido quando foram lançados! O que é que você pensa, afinal, que irá fazer longe de mim? Amor, não vivemos quase nada, dez anos não são nada quando se pode envelhecer juntos... Você não quer envelhecer comigo? Ah, não pensa em velhice por agora... Está certo, está muito certinho, você é mesmo muito jovem, mas não será sempre assim, ouviu? Você precisa saber que uma hora qualquer, quando se acende calmamente um cigarro e, de súbito, este lhe cai das mãos, e, ao abaixar-se pra pegá-lo, você se surpreende com um ataque prolongado de tosse, com a lentidão do seu corpo ao se levantar outra vez, e, levantando-se cada momento mais lento, você se depara e tem que começar, imediatamente, a entender a mecânica estranha, deslubrificada, de um corpo que antes te servia tão bem, e agora, com ele, somente com ele, te cabe então continuar a viver... Sim, eu sei que você está longe desta fase, a última das fases, afinal, você nem fuma, teu corpo é de uma agilidade incrível, né? Só que não importa, isso não faz a menor diferença, não tem uma idade certa pra todos, é muito particular, entendeu? De repente vem à tona... Ou é a consciência desta fase que é repentina? Não sei, não sei, na verdade, estou tentando tomar teu tempo de todas as formas possíveis: te amedrontando, antecipando tua velhice, te chantageando com a minha, enfim... Jogo sujo, claro, alguém pode saber o que é jogar limpo quando tudo que mais se deseja na vida está te abandonando? Impossível, impossível... E não venha me dizer que não estou te atingindo, pois já te peguei várias vezes cismado com o espelho. É, com o espelho, sim... Pensas que não te observo? O tempo todo estou de olhos abertos em você. Pensas que durmo, que vejo televisão, que ouço música, que escrevo ou me preocupo com meu filme? Quá-quá-quá! Nunca estou pensando ou fazendo nada em que você não esteja previamente inserido, nunca! Eu te enquadro em qualquer canto da casa, é um olho cá, no que faço, e outro lá, por onde tu te movimentas. Teu entra e sai, teus muxoxos, teus pormenores corriqueiros... Fica comigo, que irei fazer da minha vida quando não puder no fim do dia te apertar entre os braços assim... Assim... Olha que merda, já estou lacrimejando de novo. Fica, meu amor, nunca pude viver um querer desta forma, deixá-lo distender-se por si mesmo, me afogar num beijo como em ti me afogo e esquecer toda a sede que tive desde menino de beijos que jamais vinham em minha direção... Ah, sei o que estás a pensar: tudo clichê barato que ele aprende com esses romancezinhos que abarrotam nossas estantes, e é, é mesmo, são clichês roubados de romances, mas e daí? Que importa? Estou te implorando pra ficar, fica comigo... Olha, às vezes, quando abro a primeira gaveta do nosso armário, penso com ternura naquela vez em que lemos juntos A Linguagem Perdida e você me chamou atenção pra idéia de felicidade daquele personagem, felicidade que teria seu ápice quando ele, o Phillip, pudesse ver suas cuecas e as do amante guardadas juntas, misturadas a ponto de não poderem ser reconhecidas. Você, então, disse com orgulho: entre nós isto é tão natural. Sim, Johnny, tão natural que quando abro esta gaveta preciso pensar direito e separar: não, estas menores são do Johnny, as minhas são aquelas ali... Preciso medi-las com os olhos, já que as cores e modelos são idênticos, porque é sempre você quem escolhe e eu gosto de suas preferências, de suas escolhas... Temos tudo isso, amor, e você quer jogar fora! Por quê? Por que, Johnny? Uma maldade dessas vai levar séculos e séculos pra se dissipar... Não faça isso com tudo que vivemos e ainda podemos viver juntos, por favor, não faça... O que é, está chorando? O que foi? Por que esconde o rosto assim no meu peito? Pra que eu não te veja chorar? Bem... Mas... Se te escondes assim tão agarrado a mim é porque vais ficar, não é? Está arrependido, vai desfazer as malas e ficar? Deixa eu te olhar um pouquinho nos olhos, só um pouquinho... Estou raciocinando certo? Este balançar de cabeça quer dizer um sim, é isso? Você vai ficar comigo? Ah, eu sabia, meu amor, eu sabia...!

(Este texto é o último conto do livro URBANOS, prêmio COPENE/BRASKEN de 1997)

domingo, julho 15, 2012


Depois do Fazer Poesia na Bahia, agora é a vez da prosa. Em Fazer Ficção na Bahia estarão presentes Állex Leilla (autora do romance Primavera nos ossos, selecionado pelo Programa Petrobras Cultural; doutora em Literatura, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana), Laura Castro (premiada com a bolsa Funarte de criação literária, transformou textos publicados em blog no livro Cabidela: Bloco de Notas, lançado ano passado), Mariana Paiva (também jornalista e mestranda em Cultura e Sociedade, lançou seu primeiro livro, Barroca, de crônicas poéticas, em 2011) e Tom Correia (reconhecido ficcionista, autor de livros como Sob um Céu de Gris Profundo, editado com apoio de edital da Fundação Pedro Calmon, vinculada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia), mediados por Luciene Azevedo, doutora em Literatura Comparada, professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora de prosa literária latino-americana a partir dos anos 1990.

Fazer Ficção na Bahia: 17 de julho (terça-feira), 18 horas

Onde: Cine-Teatro Solar Boa Vista (Parque Solar Boa Vista, s/n, Engenho Velho de Brotas – Salvador/BA)

Entrada Franca
Realização: FUNCEB/ SecultBA

domingo, julho 08, 2012


— Ainda bem que você veio me visitar. Vamos secar todas as garrafas. Está uma tarde ótima para se encher a cara. O melhor dos domingos é a possibilidade de beber até cair. Tão triste e chinfrim acordei. Comecei a reler Orientação dos gatos, pra ver se algum raio perdido de luz matutina vinha se abrigar no meu colo. Mas a vontade é de sair por aí jogando bomba-cabeção nas garagens alheias.
— Cadê teu namorado?
— Viajou, a trabalho. Volta na próxima sexta.
— E você não quis ir com ele?
— Não pude, bem que eu queria, tenho tanto trabalho amanhã que fico cansada só de pensar.
— Incrível quanto a vida vista daqui é linda...
— Linda por quê? Por causa do mar e dos barcos atracados no Porto?
— Sim, por causa deles.
— Não sei... Eu tenho problemas com essas idas e vindas. Sempre multiplico os barcos e fico mais triste ainda pensando em quantos barquinhos e navios existem a ba-lançar, em quantos portos, cidades antigas feito esta, balançando, balançando, ao morrer do dia. Ou partindo. Ou ancorados. Enquanto na nossa pequenez vemos apenas esses, que não são nem metade de todos os barcos e navios que existem por aí.
— E o que há de errado em ver um pedaço de tudo?
— Nada, por certo. Todavia, eu sinto dores de cabeça.
— Está parecendo o Pérsio com os trens de Portugal.
— Qual Pérsio? O de Caio?
— Não, o de Cortázar.
— Ah, só gosto do de Caio.
— Mas você não acabou de dizer que voltou a ler Cortázar?
— Sim.
— Então?
— Tem um Pérsio em Orientação dos gatos?
— Não, Luísa, tem um Pérsio em Os prêmios.
— Mas eu não voltei a ler Os prêmios...
— Como você é embirrenta.
— Claro que não... Embirrenta por quê?
— Se acaba de citar Pérsio com a história dos trens em Portugal!
— Eu? Não conheço nenhuma história com trens em Portugal...
— Luísa, agora, você já está chateando...
— Desculpe, foi inevitável. É tão bom te desmentir.
— Está bem, vou fingir que não estou ouvindo tal aberração.
— Nossa, que palavra forte, Michel.
— ...
— ...
— Enquanto você secava os cabelos, estava ali na janela, tomando café e pen-sando em como é inapreensível e passageiro tudo aquilo de belo a que nossos olhos põem luz e tentam aprisionar. Quer dizer, os olhos tentam, mas não adianta, escorrerá numa fração de segundos. E jamais conseguiremos reter aquele êxtase outra vez, o êxta-se do primeiro momento, daqueles dias mágicos em que vimos as coisas pela primeira primeiríssima vez. Só de pensar, já me sinto velho de novo. Velho e, de certa forma, um pouco morto.
— Agora você é quem está parecendo alguém...
— Quem?
— Bob Smith: yesterday I got so old I felt like I could die, yesterday I got so old It made me want to cry...
— Tudo bem, gosto dele. É um tempo palimpsesto mesmo, que fazer?
— Palimpsesto?! Isso é uma referência a Gore Vidal?
— Não. Estava me referindo ao suporte antigo.
— Ah...
— Você fica bonitinha imitando Robert Smith com a cabeça pra lá e pra cá...
— Fico?
— Fica. A propósito, o seu inglês melhorou muito...
— Você acha?
— Acho.
— Pena que foi um pastiche improvisado, se não teria caprichado na maquiagem, arranjado uma boa peruca...
— Mas foi um pastiche sutil, eu adorei, afinal, nem tudo é questão de máscaras...
— Hmmmm, estamos filosóficos hoje, hein?
— Pois é, estamos.
— ...
— ...
— Está sentindo este cheiro de sabão em pó?
— Estou.
— Aqui venta bastante.
— É verdade...
— ...
— ... [...]

IN:_Primavera nos Ossos. Salvador: Casarão do Verbo, 2012. Últimas páginas.

terça-feira, julho 03, 2012



Nesta quarta-feira, dia 04/07, às 15h., no Cine-Teatro Solar Boa Vista de Brotas (Engenho Velho de Brotas), palestra com JOÃO FILHO, Ruy Espinheira Filho, Vladimir Queiroz e Ondwale, sobre o processo de FAZER POESIA na Bahia. Compareçam!

domingo, julho 01, 2012


- Alguma coisa que me apaixona... Vai e vem... Como as roseiras dos meus pais. De madrugada, eu acordava e ficava olhando pela janela a luz cinza-prata-branca da lua sobre elas, o vento da madrugada... lá e cá... Era como se olhasse o paraíso de dentro do meu quarto, tão perto...
- Teus pais tinham roseiras?
- Tinham... ainda têm, quer dizer, mais ou menos: é que meu pai mora na mesma casa até hoje... Vou te levar lá pra conhecer...
- Que tipo de rosas elas dão?
- Todos os tipos de rosas, que nem você...
- Por isso que você é poeta assim?
- Não sou poeta...
- E por que começa falar desse jeito então?
- Por causa do teu cheiro que me leva de novo pra lá...
- Meu cheiro? Que cheiro?
- Cheiro de rosa levada pelo vento...
- Hmmmm... romântico você, né?
- Não, realista... Vem mais pra cá...
- Assim?
- ...
- Ai... Não morde...
- ...
- Você é doido... Vai acabar rasgando minha roupa...
- ...
- O que você quer, afinal?
- Adivinha!

quarta-feira, junho 27, 2012


INVAGINAÇÕES

A distensão
do teu do amor sóbrio
ópio e deglutição
ginasianos
frutíferos corpos
dão-se ao anoitecer
conto apenas 15 anos
nada sei de Maiakovski
nem de revolução.

(poeminha escrito na adolescência, quando ainda vivia em Bom Jesus da Lapa)
(na foto, surrupiada da internet, Bom Jeusus da Lapa outroramente)

terça-feira, junho 26, 2012


(Maria Clara quer pisar nos raios de sol; foto by João Filho)

Das utopias


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

(Mário Quintana)

sexta-feira, junho 15, 2012



[...]
O poço-pergunta muitas vezes é perder-se.
Eis o labor que nos foi dado – crer.
Da falta de fé erguer nosso muro
de enfado e desistência?
Não foste o único e
nem será o último, quando chegaste
a urbe já estava erguida, e não se queixe,
ainda restam bons usos,
aí tem o primário para o mínimo,
entre ceia e manhã
o seu curso.
(João Filho)

sexta-feira, junho 08, 2012

Escritores baianos serão publicados em antologia alemã

Dois autores da Casarão do Verbo terão seus trabalhos traduzidos e lançados durante a Feira de Frankfurt, maior evento do mercado editorial do mundo



Em 2013, o Brasil será o país homenageado em território germânico e dois escritores da Bahia já têm presença certa no país de Goethe. Állex Leilla e Tom Correia, ambos da editora baiana Casarão do Verbo, estarão entre os 27 autores brasileiros convidados para uma antologia organizada pela tradutora e brasilianista Marlen Eckel. A ideia, segundo Eckel, é publicar um livro de crônicas e contos de autores que retrate a literatura nacional contemporânea de uma forma ampla e eclética. O volume será lançado em outubro do ano que vem pela editora Lettrétage, sediada em Berlim, durante a Feira de Livros de Frankfurt, uma das mais importantes do mundo.


Apesar de já ter sido traduzida em italiano e espanhol, para a doutora em Literatura Comparada (Universidade Estadual de Feira de Santana) e autora de “Primavera nos ossos”, Állex Leilla, a novidade foi uma grande satisfação. “Recebi o convite com alegria e surpresa, pois não conheço a organizadora pessoalmente, nem ninguém ligado à literatura ou ao mercado editorial na Alemanha”, afirma. Seu conto na antologia será o inédito “Não se esqueça de pisar firme no coração do mundo”, que pertence ao volume “Chuva secreta”, ainda não publicado.


Já o jornalista Tom Correia, que publicou “Sob um céu de gris profundo” em 2011, também participa com um conto inédito, “Portoseco”, que deve compor seu próximo livro, ainda sem data de publicação. “O convite foi uma das coisas mais gratificantes que a Literatura já me proporcionou. Quando se está produzindo, não se imagina algo tão surpreendente”, declara.


Com a homenagem ao Brasil, a Feira de Frankfurt deve contar com a presença de escritores e de editoras nacionais que pretendem realizar negócios no mundo do livro. A expectativa é que o evento estimule a participação de outros autores baianos para que exponham seus trabalhos em terras germânicas.


Confira os autores convidados:
Állex Leilla | Ana Paula Maia | André de Leones | Antonia Pellegrino | Antonio Prata| Antônio Xerxensky | Carlos de Brito e Mello | Carlos Henrique Schroeder| Carol Bensimon/ Cecilia Giannetti | Chico Mattoso | Flávio Izhaki | Helder Caldeira | Julián Fuks | Luís Henrique Pellanda | Marcelo Benini | Marcio Renato dos Santos | Mariel Reis | Olavo Amaral | Paloma Vidal | Rafael Bán Jacobsen | R.D. Oliveira Lima Taufick | Ricardo Lísias/ Tércia Montenegro | Tom Correia | Walther Moreira Santos| Whisner Fraga

quarta-feira, maio 16, 2012

Um conto de minha autoria "A eternidade em carne viva", tematiza a morte e o luto proveniente dela. Publicado na Revista Pesquisa da FAPESP (SP), em setembro de 2011. A revista exigia uma relação entre ficção e pesquisa, investigação científica ou questão reflexivo-acadêmica relacionada com uma área do conhecimento (exatas, humanas ou saúde). Foi escolhida a representação da morte e sua relação com as reflexões de Walter Benjamin, presentes em qualquer pós-graduação da área de Letras em todo o País. Para ler o conto na íntegra: http://revistapesquisa.fapesp.br/2011/09/05/a-eternidade-em-carne-viva/

sábado, março 17, 2012

Morrisseriana


Não choveu uma chuva desesperada sobre mim. Não entraram outra vez os raios de sol da primeira manhã em que te descobri, vivo, nalgum canto do planeta, cantando pra mim. Não abriram as derradeiras flores do dia, estupendas, coloridas, pra que eu te levasse braçadas delas em agradecimento. Os carros não cessaram lá fora. As pessoas não cessaram ao redor. Mas dentro da luz – a tua, somente a tua –, no espaço único onde apenas cores e sons juntos a tua imagem reinam, nada existia além/aquém, éramos somente eu e tua voz.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012


São 6 dias em Buenos Aires, sem pacote e sem guia. Soltos feito pássaros na multidão. Andamos horas a fio, cortando avenidas largas, perdendo-se em livrarias e museus, descansando em belíssimos cafés e melancólicos parques. No Parque 3 de Febrero, de tão cansada, dormi no colo de João Filho, enquanto ele lia poemas recém-comprados de Rodolfo Godino. O dia é longo e as horas sobram. Fomos ver a casa de Borges, pequena e "cerrada" pra visitas. Palermo Viejo é como uma Vila Madalena mais vigorosa. Muitas avenidas lembram Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, mas aqui são maiores, bem maiores. É preciso ter cuidado com os "almuerzos" que já incluem bebida, prato e sobremesa: - Una copa de cerveza o de viño, señora? E nisso podemos comer demais ou adquirir novos hábitos, eu, por exemplo, tenho gostado de beber cerveja antes do almoço. Sempre tive antipatia por cerveja. A daqui é leve e sempre gelada, no ponto. Percorremos toda a rua Suipacha e não encontramos Cortázar na sacada, a vomitar coelhos. Hoje ainda continuamos. Que a vida, quando acertada, há de ser este paraíso: andar numa linda cidade, ao lado de quem você ama.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012


Mas a vida precisa realmente de um sentido? E se o tivermos, perderá ela o não-sentido que lhe é intrínseco? E se o tivermos, as questões sem respostas se resolverão? Diminui a dor quando se tem um sentido? Diz-me assim, e assim te digo também, ambos a buscar esporas ou atalhos, cantos abastados de luz, desde que encarnamos: pescoço fora d’água, pescoço vez em quando a querer enterrar-se, seja n’água, seja em solo, que importa o lócus quando tudo derrapa? A vida não tem dia de ir, mas este pode acontecer mesmo agora, enquanto se digere a torta de maçã e o café amargo. Pode ainda ser amanhã, quando encontras o grande amor de tua vida e inesperadamente decidem (Quem? Por quê?) que não o terás mais ao alcance. Nessa gratuidade, biológica, vazia ou divina, arrastamos-nos ou, se assim o quisermos, ou sobrevoamos: asas ora azuis, ora vermelho-carmim. Mesmo tendo, amor meu, em ti todos os sentidos, a vida continua dura quando tem de ser dura, continua bela, posto que também é beleza plena, continua finita, uma vez que jamais a aguentaríamos se, por desgraça, fôssemos de todo sem fim.

domingo, fevereiro 12, 2012


Pena não ter nascido na época certa. Chove, a tarde é propícia, tenho comigo uma caixa colorida de giz. Pintar o sol que chuva levou embora, naquele outro tempo, quando você ainda era vivo e me fazia feliz. Os cantos da casa molhados de uma luz que me fala do impossível: o não-vivido, o não-experimentado, o que continua a impressionar, a doer. O olhar vai encontrar formigas carregando pedaços de alimento branco-amarelado, açúcar, farelo de pão, talvez. Juntas, companheiras, sobreviventes. Sei que é muito tarde pra desejar ser feliz, mas quando consigo aquela sensação de sonho e conforto das manhãs, penso ter alguma chance de tocar em você, te sentir inteiro, presente. Ontem, quando voltávamos do Nordeste, o Felipe perguntou se sofri muito com a tua perda, se estou resignado, se já te esqueci. Nunca havia reparado antes no Felipe: ele tem uns olhos límpidos, uma voz segura, ombros largos, boca perfeita. Depois dos shows, há sempre um bando de meninas no camarim atrás dele. Enlouquecidas. [...]
In: O sol que a chuva apagou, 2009, p. 04)

sexta-feira, janeiro 27, 2012


Meu último cineasta vivo, Theo Angelopoulos, responsável pelos poemas em película A eternidade e um dia, Um olhar a cada dia e Paisagem na neblina, faleceu dia 24/01, vítima de uma moto desgovernada. Não era um cineasta qualquer. Sentirei muita falta dos ângulos com que ele filmava a delicadeza e a melancolia do mundo. Tenho todos os motivos para não mais ir ao cinema.

sábado, janeiro 21, 2012

De mar & amor, in: Margens das Letras, coletânea de contos de alunos de Letras, 1998.


[...]Parou na praia e escutou as ondas chamando-o como numa cantiga. Despiu-se e foi.
Entregou-se às avermelhações de cores que se metamorfoseavam dentro das pes-tanas cerradas pelo mergulho. Quando abriu os olhos, deixou-se ficar na claridade das estrelas e da lua, que penetrava o escuro das ondas.
Mesmo depois, quando já estava deitado na areia, de olhos fechados, sentindo o friozinho que dá no corpo molhado, tentando o impossível, que era seguir fluindo, sem pensar em nada, a claridade do céu ainda golpeava, quer com raios de luzes estrelares, quer com raios da lua, que naquela noite se fazia crescente e nítida.
Assim, tudo parecia mais perigoso. Como que ameaçando, caso ele voltasse a querer se enfiar inteiro nas suas ondas.
Ah, aquelas ondas se multiplicando num horizonte de penumbra. Elas ocultavam mundos escorregadios, pedidos de socorro, urros de alegria, e fantasmas também. Al-guns fantasmas penetravam junto com a claridade ou eram formados por ela. Desenho de bocas e corpos nus de meninos, de cera, de porcelana, de grafite, de brinquedo, mas, de repente, nesse exato minuto, ele abre os olhos e percebe: de carne viva também.
Ele teve medo e desejo de retornar ao mar. De perder os sentidos dentro dele, de nunca mais pisar na areia. Pois acima de tudo estava triste, tão triste se sentia que dava trabalho se movimentar. O mar, ele escutou intranquilo, o mar o chamava de volta, pra sempre, venha.
Não, ele disse, não quero morrer. Precisava se movimentar dentro das sensações esquisitas: vontade de vida e vontade de morte entrelaçando-se. E a vontade de amar também, a vontade louca de amar se estendendo, feito um polvo, cada braço dela cheio de dentes ramificando-se pelo corpo. Assim como sentia atração e repulsa pelo chamado do mar, tinha medo e desejo por aquele cara, pela loucura de gostar demais e não poder se desprender da imagem do outro, do cheiro do outro, do que viveram há tão pouco tempo juntos.
Foi regressando pra casa devagar. Olhos cansados, corpo úmido. O sal, diria aquela escritora, lavando em segredo a alma maltratada. A energia do sal marinho cum-prindo sua função na pele. Era preciso dar tempo pra energia lhe adentrar inteiro e renová-lo outra vez.
Mas, quando no quarto, tentou dormir em vão. A voz do outro vinha soberana: "há rios de águas tragicamente revoltas e fundos de intermináveis abismos. Rios que escondem a morte em cada trecho de seu enganoso percurso, bem mais assustadores que o mar".
Não importa, ele disse, vá embora, não quero mais saber de você.
A voz do outro como que levitava por dentro, carregado-o por ondas quentes que ora subiam ora desciam o corpo cansado no colchão. Novelos de funduras e fluências. Ia assim, solto num mar diferente, corpo esquecido, banhado de luz mínima, as primeiras luzes da manhã. As mãos, estendidas na cama, não estavam na cama, remavam, tocavam a água como se capazes de vencer qualquer correnteza. E nesse ir quase que inerte sobre a correnteza absorvia em todo o seu ser ventos e ares que por ali passavam, amadurecendo a noite, transfigurando o tempo. Sangue dilatado, meio sorriso nos lábios, e oxigênio entrando nas narinas. Vou esquecê-lo, pensava sem forças, vou esquecê-lo pra sempre. [...]

terça-feira, janeiro 03, 2012

O sol que a chuva apagou, Ed. P55, 2009 (trecho)


[...]
Acendo uma vela azul, um incenso de Noz Moscada. O Matheus me mandou cinco caixas dele. Cada uma tem 10 varetinhas. Você gosta deste cheiro, Ian? Posso acender um a um, dia-a-dia, se você me responder sure, honey, naquele seu jeito rápido de falar mal abrindo a boca, yes, Thiago, você diria como quem está de saída e volta correndo porque esqueceu algo importante, motor do carro ligado, itinerário previamente decidido, chaves, carteira, sobretudo, você diria, it´s fine, dear, jogando um beijo ou simplesmente confirmando: I do. É bom este incenso? Estou meio resfriado pra saber. Ligo o violão, vou lembrando e tocando, primeiro, aquela tua preferida da Chrissie Hynde; segundo, Giz, da Legião; terceiro, Such a woman, do Neil Young, mudando woman pra man, como você fazia, no chuveiro; quarto, The one I love, do R.E.M. Abro uma garrafa de vinho: se houver mesmo aquela história de vida eterna, esteja por aqui e brinde comigo, meu bem. Sim. Meu querido. Duas taças. Essa é pra quem eu mais amei no mundo. Essa é pra alguém que ficou pra trás. Sem você eu não conseguiria chegar até aqui. Jamais. Há milênios teria desistido. Vem de ti a força que me faz pisar forte no chão, seguir em frente, não fraquejar, não cair. Yes, I know. Não, não desapareça. Quando começar a chover de novo, quero estar de mãos dadas contigo. Fecho os olhos, tento de todas as formas ver seu rosto, sentir seu corpo, próximo, colado a mim. Mas não, não é o Ian, é a Maria Alice, no início da quadra, irritada, reclamando que alguém esbagaçou a caixa com pedaços de giz coloridos que ela roubou da escola pra jogarmos amarelinha. Desenhamos na calçada da quadra inteira. Você gosta de mim, Thiago?, ela perguntava, os olhos escuros, brilhantes, você quer ser meu amigo? [...]

domingo, janeiro 01, 2012

Henrique (romance), Ed. Domínio Públicco, 2001 (trecho)

[...]
Passado o tempo das luzes, descobri que, esbagaçado no banco de um carro, eu não podia ver o mar claro, calmo e ululante. Festim de azul e verde e até amarelo-barro, um tanto gritante, é verdade, pois surge quando o sol raia depois de horas de chuva, e muita da sujeira da cidade que cobre a areia das praias contribui pra formação dessa cor estranha. A que mais silêncio me causava. Podia tentar até a exaustão que não conseguiria nunca removê-la de mim. São Conrado, Pepino, Joá. A mão de meu pai me levava — no princípio era sempre ela — e eu não aceitava retornar pra casa antes do sol se pôr.
Baratas fazem do meu resto de carne um farto banquete. Baratas? Vermes? Ou impressão? Não sei. Vermes que conscientemente odiei me devoram. Não falo dos ratos porque não os vejo. Mas devem existir porque tudo isso faz parte da miséria, entende? Os seus braços, um longo porto, a quilômetros de mim, radiantes. Num grande espaço de tempo minha vida foi tristeza agulha fina perpassando a pele. Não importa, agora não quero me importar. Me concentro e vejo a noite dentro das janelas acesas; vejo mulheres entre cebola alho óleo maridos e filhos pra jantar; vejo os televisores e o acompanhar patético dos olhos, mortos de qualquer alegria ou viço real de vida, todos muito bem nas salas de estar. É, longe de nós, meu amigo, todos creem viver verdadeiramente, mas... não sei.
Me interesso pouco pelas pessoas, poucas pessoas me incomodam, nada quero trazer pra junto de mim neste canto de mundo, que, como vê, não é bem um canto de mundo, mas apenas meu fim. Embora eu não queira o fim.
Me incomodam visões de flechas soltas no ar.
Dou de me lembrar de sua pica, Vic — e isso é puro deleite —, ereta, linda, a mais bela dentre todas as picas que um homem na Terra pode ostentar. Mais bela até que a minha, reconheço. E não é nada fácil, garanto-lhe, reconhecer. Dou de me lembrar de como você a esfregava contra a minha e, suspirando, ia subindo ao alcance de minha boca. Mas perco o momento em que você também me abocanhava. Sua cara retendo meu gozo, minhas mãos te apertando os cabelos. Perco, perco. Vago sem tempo sobre nós e lembro, com pesar, quanto de inferno eu pacificamente suportei, acreditando que um dia, uma porra de dia enfim, tudo ia ficar bem entre todos os homens e planetas e reticências, e não somente na paz de nosso quarto, de nossos corpos depois do amor.
Me lembro de qualquer coisa azul — os olhos do meu companheiro, vivos, leais? Não, não, os seus olhos são, sempre foram verdes. Um firmamento de primavera? A banheira onde, quando bebê, me lavavam? Não, acho que a banheira era branca... Talvez a cor que totaliza toda essa distância. Branco, branco, branco. Sim, quando recordo é porque estou distante.
O pior de tudo é que não há cheiros e quase se pode sentir Deus. Eu quero andar e não sou movimento. Ágeis são os arbustos, são as nódoas, são as faltas de cheiros, meu corpo não. Primeiro me dei conta disso — do corpo — que ruía a cada quarto de hora, depois percebi, aterrorizado, as formigas, rodeando-me como se faz com o alimento. Histérico, nos instantes iniciais ainda achei que reuniria forças pra quebrar a inércia, vencer.
Não consegui.
Tua mão veio viva afastando os insetos de mim. Limpou um resto mínimo de sangue, pôs rosas e perfume e me vestiu com uma camisa de seda clara.
Ri, grato a ti por tanta generosidade. Saiba que estarei sempre. Achei teu pranto extremamente belo caindo em meu rosto morto. Devia ser quente a tua dor, fazia a das outras pessoas indiferente, nula. A milímetros de mim, você arfava em desespero. Não te senti como antes, minha faculdade consistiu no verbo ver, segunda conjugação, transitivo direto. Não lembro mais.
Vi você me guardar no vão e a madeira comer minha liberdade.
Falo como corpo porque corpo preso fui depositado.
Os grãos de areia, as velas, os vermes. O regresso. Não seria exatamente areia, mas barro pútrido, enojante.
Imaginava que o alimento fosse vivo, que cada mastigar sofrido fosse uma alegria de transformação próxima. Mas não, a dor de ser absorvido é total, é cruel e leva parte dos sentidos. Abomino-me em retalhos. Eu me odeio mordido, rasgado, mastigado, comido. Pelos, gosma, meus dentes!
Nenhum cheiro exala, nenhum formigamento. Meu sexo, minhas mãos. Eu não conhecia esses tipos de vermes, só aqueles que levam parte do joelho. Lia sobre bichos que dão em água parada, matava muitos ratos quando tinha dez an.....h! Jesus! O cheiro morno da virilha pra sempre perdido. Minha unha caindo vagarosa na madeira, minha boca, eu não tenho boca!
É preciso um cigarro, um café.
Um choque elétrico.
Ainda faltam as veias. Ali, falta parte do nariz e um resto de coxa. E essa posta de carne verde, aguada, donde fazia parte? O sangue endurecido. O sangue é um requinte, quem virá sugar? Me contorço, não sei do tempo. Deve ser longo, mas não o meço mais. Incho. Inconformismo. Não voltaria a comer se tivesse novamente boca, dentes, língua, mas ainda assim quero meu corpo!
Tapa na cara.
Dentes rolando.
Baba.
Quero meu corpo.
Escuridão.
Por favor, me soltem, me deixem.
Um corte vertical no planeta.
Que todos sangrem, que se fodam, que não reste migalhas de gente.
Não é possível. Então sou isso?
Corro.
Carne moída.
Odeio. Odeio.
Subirei no topo.
Picadinho.
Mal, mal, mal.
Formigas estranhas, estranhas.
Quero tudo no lugar de antes.
Misérias se multiplicam.
Demônio.
Em toda parte: baratas.
São os bichos que mais odeio.
Eu que comia vegetais. Eu, que não andava descalço debaixo do sol por muito tempo. Eu com minhas rugas.
Eclipsado.
De mal com Deus.
E com Jesus Cristo.
Eu corro.
A mancha escura no meu quadril.
Minha pele, minhas nádegas, onde o Vic irá deslizar?
Pode ser um câncer, cara.
Eu tinha medo de câncer no pulmão.
Meus olhos eram negros... sangue AB, Rh +. Herança do meu pai.
Minha mãe nunca virá.
O banquete.
Água luz sabão.
Um dia uma puta me seguiu no Leblon. Olhava pra trás lhe sorrindo, quando por fim entendi: um homem, um homem debaixo da fantasia de se fazer exageradamente mulher.
Não me encantavam homens assim.
Tudo bem.
Não vou chorar mais.
Que se danem os cílios, que se danem os cabelos.
Posso sorrir um pouco.
Não me apavorem.
Dancem comigo. Um tango, ou dança antiga de ciganos.
Boceta!
Por quê?
Quero meu corpo.
Macho meu ele foi, homem a quem chamei de amigo.
Não suporto mais esse crânio exposto.
Por favor, um lenço. Lilás.
Um cara me esmurrou no peito, uma vez.
Galeão, Santos Dumont.
O barulhos de seres metálicos pelo ar.
Jacarepaguá.
Vozes em alto-falantes.
Passageiros com destino ao inferno, com escala no desespero e na miséria profunda, por favor, dirijam-se ao portão de embarque, e boa viagem.
Arame farpado.
Pois vou dar o troco pra aquele otário.
Irritação no estômago.
Tome a limonada, meu filho.
Não há.
Pode ser um sonho.
Vic, me espere na saída da rua, passo logo que a aula acabar.
Ele estudava língua alemã e amava escritores franceses.
O tempo. O tempo. O tempo.
A chuva podre sobre as cascas das frutas. Sobre as rosas brancas. Sobre os remédios.
Me ofertam flores. Vou cair em choro. Flores pra quê, meu avô?
A primavera me dá saudades, o leite me dá saudades.
Ossos.
Uma casa bonita, cheia de espaços.
O momento mágico de desgrudar do corpo dele e adormecer.
Sítios. Aeroportos. Calçadas. A corrente fria na cara.
Copacabana princesinha do mar.
Gozo, esperma, fluídos. Línguas. Espáduas. Coxas. Ânus.
Pai-nosso-que-estais-no-céu-santificado-seja-o-vosso-nome.
E flores, flores, flores. [...]

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...