quinta-feira, dezembro 31, 2009



a Picture by André Toma

[...] caminhava jogando fumaça fora, não acreditava que tinha conseguido te trazer pra minha casa, não acreditava nas palavras que dissemos de joelhos na cama, olho no olho, coisas fortes que não se diz na primeira vez, “quero ficar contigo além dessa noite, todas as noites da minha vida, envelhecer do teu lado”. Até hoje isso me entontece, sabia? Pode dizer que é vaidade, bobeira ou romantismo barato. Não importa, fiz parte do teu segredo, eu te conduzi à noite inteira até que, exaustos, nos mordemos na boca e você adormeceu... Se você não ficar, o que será do meu peito sem este segredo? Repito que sou um homem cansado, 48 anos velhos, velhos. Já não tenho muito pra estragar, veias fodidas de heroína, fígado fodido de álcool e enlatados, narinas fodidas de pó, cigarro, São Paulo-Rio, Rio-São Paulo... Te contei que, às vezes, meu pulmão esquerdo parece abafado? Eu digo esquerdo, mas pode ser o direito também, ou ambos, algo que sufoca na altura do coração, que espalha, espalha... Pode ser o rim, sei lá, uma dor comprimida, complicada, enchendo todo esse lado aqui, entende? Eu diria que tem poeira correndo junto com o sangue pelo corpo todo, e quando chega aqui, justamente nessa passagem, uma corrente maior de oxigênio talvez... Ou de gás carbônico... O que é que há? Não faz essa cara não, estou dizendo porque sinto [...]
In: Porque quem não é por nós, é contra nós

FELIZ 2010!

quarta-feira, dezembro 23, 2009




Veio correndo sem fôlego do país das montanhas e das rochas que não se diz.
Agora, a câmera pega de súbito o lábio superior dele, grosso que nem negro,
mas se delineando mais suave no inferior.
Clique, clique: nada escapa à máquina, ele abaixa a cabeça.
Pega os olhos. Now. Olhos sumindo. Clique, clique. São negros ou castanhos escuros os olhos dele? Clique. Só uma luz azul fugidia sobre o corpo dele. Vestido de branco. Cabelo preto. Clique. Ele quase nunca se move quando está ensimesmando-se. Ele toca o ar num gesto vago de quem apenas se dá conta que existe: vida, atomosfera, ar.
Suspende os olhos vez-em-quando, mira: parece dar adeus.
Veio correndo das montanhas, fugiu das matas fechadas daquele país distante que não se diz e, no entanto, permanecerá aqui, entre nós. O mundo é justo e verdadeiro. Façamos um brinde. Um brinde, please.

segunda-feira, novembro 30, 2009


Impossível seria se a boca acompanhasse, ávida, certeira, os pensamentos, tantos, nus, vivos, estranhos, que jogamos no ar, às moscas, aos serezinhos invisíveis que nos espreitam, nos acolhem ou nos indiferençam. Impossível porque a convivência, porta cada vez mais estreita, esfacelar-se-ia ainda mais (e isso é possível?) aqui na terra.

***

Possível seria, quiçá agora, aquela estranha coincidência da boca minha na sua, enquanto os pensamentos, meus nos seus, fariam curvas, dançariam caminhos, encontrar-se-iam, uníssonos, nus, vivos.

sábado, novembro 28, 2009



[...] No entanto, o que se possui de fato é a aglomeração de seres e de sentimentos nos quais se acaba transformado. Por verdade, entenda: um tesão incontrolável, jamais amenizado, junto à cabeça que dói constantemente; em suma, um passear inútil pelo que se foi, pelo que se pode vir a ser, quando, por milagre, se achar as pontas dos nós. Essa verdade triste é o que tento, acima de tudo, fazer sorrir.
O vento bate as portas de todos os ambientes onde eu poderia penetrar. O vento me assusta. Zumbidos de casas, zumbidos de trevas, as suas vidas, as minhas, aviões que torturam o cérebro.
Paciência já não tenho.
Invento medos.
Podres mentiras.
Tremulo no espaço que piso, caio, sobrevôo.
Você, o meu grande amigo, se precipita a sair do Brasil... Você está só e não quer mais enfrentar as lembranças... Você não quer mais ninguém do seu lado? O quê? Oh, não, volte, chegue mais perto de mim... Ah, quero te mostrar os últimos recortes, as partes que sublinhei, esperando, um dia, ler junto contigo para rir melhor. Sei que já rimos outras vezes juntos. Não conte muito com minha memória, ela é muito velha e concorda em ser silenciosa, feito lapsos no tempo.
As coisas que fazíamos ontem, meu amigo, na pouca luz do quarto, hã? Levemente se deixar sobre a terra. Levemente sem sentido...
Quando você se ausentou por um longo período de perto de mim, eu tive vários meninos. Entre eles havia um que sabia dançar muito bem. Movia os quadris e o ventre como se fosse uma cobra solta no espaço. Tinha a impressão, quando o via dançar assim, que do seu corpo brotava um campo de luzes extremamente cintilantes, enquanto o rosto suave dele ia se deslocando de um ponto ao outro do quarto.
Quando a música começava, eu dava por seu corpo quase nu, envolvido num pedaço de pano transparente, curto, amarrado na cintura como uma tanga, dançando e batendo... pandeiro? Castanholas? O que era mesmo que ele segurava harmonioso com os braços erguidos sobre a cabeça? Bem, não sei mais... A única coisa que eu podia fazer era derrubá-lo novelisticamente no chão, possuí-lo até o cansaço total.
Folhas secas guiadas pelo vento caem agora sobre ele... Os pés tão miúdos rodopiando, rodopiando... Não parecia realmente um homem, a não ser quando seu sexo se fazia ereto debaixo do meu. Minha escultura antiga, onde andarás agora? Registro de anjo. Veludo. Cerco suas mãos em pensamento, minha obsessão quer retê-lo, sugá-lo até o final.


Roupas sujas em repouso, os caqueiros de flores, a pilha de pratos por lavar. Respiração cansada, derrotada pela neblina dos dias.
Morfina. Leito de amarras.
O mal, o segredo dos neurônios.
Só se é mal por conveniência nesse mundo onde um par de moscas verdes e grandes consegue dominar o ar. Me punha a persegui-las quando elas entravam estupidamente em nosso quarto.
Você ria, lembrando, antes que eu me cansasse, que havia inseticida no armário.
Mas, às vezes, as moscas fugiam pela janela da copa.
Uma desgraça me vem e track na garganta. O que quero calar, mofar, esconder, vem inteiro pela boca e, calado, eu sinto seu cheiro de ocre estendendo-se por toda casa.
Sim, os homens que fui antes e depois do amor, as sensações depois da morte, as visões e os sonhos, claro-lógico-evidente-que-se-sonha-após-a-morte.
As imagens, eu sempre esbarro nelas. Homens flutuam como bolinhas de sabão, restinho de pó. Esbarro e quero retê-las, mas como?
A eternidade dentro de mim.
As formas e mundos masculinos são as que mais fogem, obcecando-me cada vez mais. Quanto mais escorregam, mais eu as quero tocar. Suas paredes: madrugadas sem ruídos. [...](Henrique, 2001, p.23)

quarta-feira, outubro 21, 2009



Escritora Állex Leilla desconstrói o mito do amor romântico e seus clichês

Os filmes Antes do amanhecer e Antes do pôr do sol do diretor norte americano Richard Linklater são o mote para o debate acerca da função do amor romântico na literatura

A escritora Állex Leilla volta ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) para mais um trabalho. Na oficina intitulada “O tempo do amor hoje. Uma coreografia em pedaços”. A oficina será ministrada no Espaço Educativo Sophie Calle (Galpão de Oficinas do MAM) nos dias 22 e 23 de outubro, das 15:30h às 18:30h. Serão 15 vagas e as inscrições deverão ser feitas pelo (71) 3117 6141, ou no local com 30 minutos de antecedência.

Na oficina, Leilla propõe uma problematização do mito do amor romântico e da procura da alma gêmea, discutindo valores, crenças e clichês que fazem parte do culto do amor romântico, isso tudo a partir da análise de trechos dos filmes Antes do amanhecer e Antes do pôr do sol do diretor norte americano Richard Linklater.

Segundo Állex Leilla, a escolha dos filmes de Richard Linklater como mote para os debates, se deu por eles tentarem colocar no plano dialógico a questão da necessidade de busca da alma gêmea nos tempos de hoje. Ora eles fornecem uma crítica a essa projeção romântica, ora apostam numa espécie de cumplicidade capaz de preencher essa lacuna amorosa. “Gosto da forma como Linklater aborda temas complexos como amor, paixão, projeção, desejo, sempre problematizando os assuntos”, afirma Állex.

Ao fim dos encontros, serão desenvolvidas atividades práticas de escrita que reelaborem ou desconstruam o mito do amor romântico, além de apresentação de conceitos, debates e interpretação de cenas e produção.

Após essa oficina, a escritora ainda volta no dia 18 de novembro para fechar as atividades da curadoria educativa de Cuide de você, exposição que segue até o dia 22 de novembro, com o seminário Tudo o que eu nunca te disse: Sophie Calle & Ana Cristina César, onde ela reflete sobre as vantagens e desvantagens de enquadrar certas produções poéticas e artísticas no gênero autobiografia.

Núcleo de Comunicação
Museu de Arte Moderna da Bahia
(71) 3117 6137
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Contato:
Juliana Maia
Coordenadora de Comunicação MAM-BA
(71) 8887 2003

Leonardo Parente
Jornalista
(71) 8138-8195



Papo literário: Escritora Állex Leilla ministra minicurso no MAM-BA

Um paralelo entre os recursos da obra da francesa Sophie Calle e artistas e escritores como Renato Russo e Caio Fernando Abreu norteiam o minicurso no Espaço Educativo Sophie Calle

Uma análise paralela entre a obra de Sophie Calle e os recursos presentes nas obras de personalidades como Caio Fernando Abreu e Renato Russo, serão debatidos no minicurso Infinitamente pessoal: Eu, você, eles e nós. O curso será ministrado pela escritora e doutora em letras Állex Leilla, no Espaço Educativo Sophie Calle (Galpão de Oficinas do MAM), nos dias 14, 15 e 16 de outubro, das 14h às 17h. O curso é gratuito. Mais informações (71) 3117-6141.

Em Infinitamente pessoal: Eu, você, eles e nós, será feita uma extensão de questões interessantes trazidas pela obra de Sophie, como a relação entre o artista e público; a existência ou não de personas mediando o produto e a recepção dele; a intervenção do biográfico na criação e os limites cada vez mais tênues e complexos entre o pessoal e o ficcional. “Serão apresentadas formas artísticas, leituras e maneiras de produção, ou seja, além de teoria e do debate, vamos trabalhar, nestes três dias, também com a criação”, informa Leilla.

O minicurso dá seqüência às atividades da Curadoria Educativa de Cuide de você que segue até o fim da exposição (22/11). Na semana passada, foram realizados seminário, minicurso e oficina pelo fotógrafo Edgard Oliva, com as vagas sempre muito disputadas e participação ativa do público.

Állex Leilla é escritora com quatro livros publicados: Obscuros (contos,1999), Henrique (romance, 2001), O sol que a chuva apagou (novela, 2009) e o livro de contos Urbanos, que em 1997 lhe rendeu o prêmio COPENE, o atual Prêmio Brasken de Literatura. Leilla leciona também literatura portuguesa na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e é professora da Universidade Federal da Bahia

Em relação à obra de Sophie Calle, Állex Leilla traça um paralelo de características em comum. “Creio que temos as mesmas preocupações com as questões da nossa época, o que está acontecendo ao nosso redor, e em trazer, para a escrita, a arte”.

O MAM-Ba é um dos 13 espaços culturais do IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia), órgão da Secretaria de Cultura do Estado.

Núcleo de Comunicação
Museu de Arte Moderna da Bahia

domingo, setembro 27, 2009




Sabe-se que ela tem saudades dele. Do centro do céu sem nuvens, sem primavera, desloca-se a cabeça, olho direito, olho esquerdo, o tronco todo, pra ver o céu da janela da cozinha. Move-se cheia de soluços na garganta. Molha as mãos e o rosto. Faz café. Sabe-se, sabemos: ela sente a falta dele como ninguém. Bicho desencontrado tentando sobrevoar a terra de muros e concreto que não nos pertence. Desde que ele foi embora da Bahia, ela sente sua falta. A ópera de Nabucodonosor, ela ouve. Ela que odeia ópera. Músicas antigas, músicas novas, ela ouve, pensando nele. Logo ela que um dia o irritou seriamente dizendo: prefiro o Morrissey. De repente, ela ri e pensa: se alguém (ele) me pega agora...
Ela quer dizer: se ele a pegasse ouvindo suas músicas preferidas. Ela gravou algumas num Cd de 80 minutos e ouve sozinha, andando pela casa, deitada, consertando o cabelo, mudando de lugar os objetos.
As mulheres que melhor escrevem neste mundo, ela agora as pega pra ler. Mas não prossegue muito, vai de livro em livro, de página em página, e chora, chora no meio das palavras de Florbela Espanca, de Clarice Lispector, de Hilda Hilst, de Violette Leduc, de Margueritte Duras, de Ana Cristina Cesar, de Juana Inés de la Cruz, de Alfonsina Storni. Embaçando as palavras, ela chora com saudades dele.
Não adianta estender a mão.
Não estenda sua mão.
Ademais, quem te pediu ajuda?
Tenha decência, ela não te notará.
Só uma pequena grotesca obsessão. No caminho dela, o que há de mais triste e desajustado. Qualquer alegria que a presença dele pudesse dar.
Esteja certo(a) de sua solidão absoluta.
Não amole.
Fique quieto(a) apenas. Passará.

domingo, setembro 13, 2009

CUIDADO: UNIMED NÃO É PLANO DE SAÚDE, É TRÁFICO ARMADO!

Gostaria que essa mensagem servisse de alerta para que os desavisados que pretendem se associar ao Plano de Saúde UNIMED, qualquer um deles, mas, sobretudo, o sistema intercâmbio que atende pelo nome de UNIMED LESTE FLUMINENSE. Infelizmente, aderi a esse plano de saúde em setembro de 2008, minha adesão dependia de pagar uma taxa de adesão também para a UNIVERSICRED, cooperativa dos funcionários da UNIVERSO (Universidade Salgado de Oliveira, campus de Salvador, onde eu era professora). Meu marido (João Batista Fernandes Filho, ou o escritor e poeta João Filho), que também é funcionário da UNIVERSO, aderiu ao plano de saúde e à cooperativa. No entanto, tanto eu quanto ele pretendemos nos desligar da cooperativa e do plano o mais rápido possível devido ao fato de termos descoberto, na prática, que esse convênio é uma farsa.

Desde o dia 26/06/2009, meu marido tenta uma cirurgia de hérnia de disco e tem sido destratado e/ou ignorado pelo plano UNIMED LESTE FLUMINENSE. Estamos sozinhos para negociar o inegociável com o plano, uma vez que se trata de saúde. Dia 03/08/2009 entramos com um pedido de liminar, através de um núcleo jurídico. No dia 24/08, a liminar foi concedida. Recebemos um telegrama da UNIMED avisando que em cumprimento à liminar a cirurgia havia sido autorizada, deveríamos nos dirigir ao escritório da Central Nacional UNIMED, em Salvador (no Ed.Convention Center, Cidadela-Iguatemi), o que fizemos no mesmo dia. Depois de uma manhã inteira esperando, liberaram uma guia de internação para o Hospital UNIMED. Fomos ao Hospital UNIMED no mesmo dia e demos entrada no pedido de cirurgia, agora com a autorização concedida. Fomos informados que uma enfermeira agendaria com o médico-cirurgião e anestesista e entraria em contato. Dia 26/08, houve uma audiência no Juizado da Universidade Católica(SSA) porém, nessa ocasião nada foi resolvido, tendo a empresa informado à juíza que a cirurgia já havia sido autorizada. No entanto, até hoje, dia 13/09/2009, meu marido
ainda aguarda a cirurgia. A UNIMED sempre arranja um jeito de adiá-la, o mais novo motivo é porque o "material cirúrgico foi rejeitado pelo médico", isto é, eles querem que o médico use material inadequado! Meu marido segue sentindo dores, está de licença pelo INSS, impossibilitado de trabalhar e estudar. Passamos dias inteiros ligando para a empresa sem sucesso, a conta de telefone é monstruosa. Me pergunto como a justiça brasileira justifica a existência de um plano de saúde desses, inútil e, sobretudo, criminoso.

Estamos fazendo denúncias em todas as TVs e jornais locais, já registramos queixa na ANS e Ministério Público e nada, absolutamente nada foi feito contra a empresa. Como professora, tenho enviado emails diários a alunos e colegas para que evitem se associar ao plano UNIMED, qualquer um deles, Central Nacional UNIMED, UNIMED-SSA, não
importa, são todos da mesma corja. Alertei também aos colegas da UNIVERSO-SSA que pensem bem antes de entrarem na UNIVERSICRED visando a adesão ao Plano de Saúde. Pensem bem porque na prática é mesmo que não ter plano algum, trata-se de uma quadrilha, uma quadrilha que não é fiscalizada nem pela ANS nem pelo Ministério Público e não obedece a liminares da justiça. Espero que consiga evitar que mais pessoas, desavisadas, entrem nesse plano de saúde que não funciona e que constitui, sem dúvidas, um caso de polícia, provavelmente é tráfico! Que outro tipo de atividade
empresarial pode ignorar determinações jurídicas e sair ilesa? Só conhecemos uma: o tráfico armado! Todas as outras empresas, de uma forma ou outra, é punida, por que essa não é? Qual será o traficante que está por trás dela? Sei que é um saco essas coisas de email coletivo, corrente, solidariedade, mas ainda assim, peço encarecidamente, que mandem essa mensagem ao maior número de pessoas possível, pois se trata de uma utilidade pública para que nenhum cidadão/consumidor tenha de passar pelo que estamos passando. Obrigada de coração!

Állex Leilla
Professor-assistente UEFS
Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/3529681209301146

domingo, agosto 23, 2009




- Por que não nos matamos quando chove fino, pirracento, quando chove assim pedaços de cinza encobrindo o sol, quando chove domingo sem horizontes, dentro e fora de nós?
- É simples - dirá você, às gargalhadas.
- Se é simples, diga-me logo, please.
Então você responde, dentro de si cada vez mais.
- Não nos matamos.
Ponto final.

quinta-feira, julho 23, 2009

Não conto nada, que já estou de saco cheio, dizem que para morrer basta estar vivo, estamos vivos e não morremos, eta, inocência! ou será burrice mesmo?, agora, ao menos, não há dissipação, e não se dissipar tem seus méritos, arriscaríamos até analogia: cinzas de cigarro, sim, por que não?, além do cheiro morno - tão morno que quando sinto me assombra o quanto ainda pode ser vivo o cheiro de alguém em algum canto deste edifício fumando cigarro -, o cigarro deixa cinzas que raramente podem ser dissipadas, ficam dias pela casa, nos objetos, na ponta dos dedos, na língua, e pensar que tantas vezes trepamos com cigarro nos dedos, na língua, foi você quem disse certa feita e nem me lembro se de tarde ou madrugada, sempre que a noite chega é este medo de contar o que não se conta mais, simplesmente porque passou o tempo disso: contar, pensar que você disse tão bendito e até gracioso, sempre que a noite chega é este medo de contar o que não se conta mais, pois é, sabíamos, há anos sabíamos, por que então a teima em tentar de novo?, não conto nada, meu saco: cheio, é que para morrer basta realmente estar vivo, estou vivo, por que não... ahã?

domingo, junho 28, 2009

Lançamento de "Ao longo da linha amarela", de João Filho

Todos estão convidados para comparecer na terça-feira, dia 07/07, às 19h., à Livraria Tom do Saber, no Rio Vermelho, para o lançamento do livro de contos "Ao longo da linha amarela", de João Filho. Abaixo o convite.

quarta-feira, junho 24, 2009

Não há domínio que dure mais de dez minutos, deitado, inerte, olhando os pingos d'água contra o muro, pedaços de gravetos são apenas pedaços de gravetos, brasa dormida que não tem o que ensinar agora nem nunca, no chão ou em Marte, é preciso escorregar entre um novelo e outro, saber/ver o que sua mão constrói e a cabeça desconstrói, não perca o ritmo, baby, se perigar, deslize e pisque os olhos mais e mais, um dia deitado ao largo da própria vida, que tem seu ritmo às vezes acasalado, às vezes divorciado de outros caros desejos, reflita/veja: nem tudo está perdido, nem tudo está salvo, há um ritmo, e isso não é conversa mole de quem perde as horas embalando sua própria sombra.

segunda-feira, maio 18, 2009


Estamos de volta aos
dias moribundos de ca-
lor e outono
onde as folhas gordas
viram e suspiram no si-
lêncio amarelado
onde vimos pela pri-
meira vez o brilho novo
do céu

estamos de volta
atrás de nós as ondas
da memória cercam nos-
sos gestos
o nascimento da tarde
é maior que as limita-
ções sem tempo

estamos de volta e pe-
quenos e sozinhos,
olhos, dores e sonhos
abertos diante do dia

estamos de volta ao mes-
mo lugar enorme e irre-
sistível/ às sombras mo-
ribundas de calor e
outono

Ana Cristina César: Infância

segunda-feira, abril 13, 2009



[...] Dias doentios virão. Varanda de ladrilhos cor de carne. O vácuo. Quer você tenha casa, quer viva num caixote de papelão, pouco importa. Conserte os cabelos com as mãos quando o vento marinho jogá-los na tua cara... Afaste-os do rosto em direção à nuca, depois solte-os, e eles voltarão a assanhar. Não importa quem você seja, que segredo ou missão acha que a vida guarda pra si. Estará de cara com o nada, suas forças minarão.
O sol principiará lá fora, de sua fraqueza não vai querer saber. Se revolte. Quebre copos na cozinha. Jogue os cacos pela janela. Uns brilharão no asfalto, outros, na lataria escura do tonel de lixo. O rumor de vidro caindo no asfalto pode fazer você se sentir bem. Ria, amansado(a), deite-se outra vez e não vá trabalhar, pois é um daqueles inúmeros dias em que se precisa esquecer a si mesmo, e não se esquece.
Novamente, como numa senha: choverá forte, depois tudo cessará. Ficará um mormaço e um vento gelado. Você pode lavar os cabelos, se cabelos você tiver. Você pode fechar e abrir os olhos, caso não seja cego(a). Você vai se sentir órfão(ã), mesmo tendo pai e mãe vivos. Faça um pouco mais de café. Escolha algum livro e deite na cama. Se você for dos/das que leem. Ou escolha uma boa trilha sonora. Caso goste de música.
Dias estancados na janela. Passarinhos aqui e ali. Por mais que se esqueça o lugar onde se vive: alguém passará lá embaixo com aquela fitinha branca do Senhor do Bonfim, no pulso, te lembrando, sempre: é sexta-feira, dia de Oxalá. Estará no pulso de vários pedestres. A fitinha. Molhando na chuva, mofando no inverno, umedecendo no outono e gostar-se-ia de romanticamente dizer: floreando na primavera. Mas não é ver-dade: nos dias doentios não haverá flores. A primavera estará longe, muito longe. Esqueça-a. Você está profundamente só. Dentro do seu próprio silêncio-peso. Olhando os objetos ao redor. Portanto, boa sorte. Por isso, boa sorte. Agora e sempre: boa sorte.

sexta-feira, março 06, 2009

Coleção Cartas Bahianas lança:



O sol que a chuva apagou é uma novela que traz um clima de diário de bordo ou de estrada, no clima sexo, drogas, delicadeza e rock in roll, dialogando de longe com "On the road", de Jack Kerouac. Apesar de ter começo, meio e fim, também pode funcionar como fragmentos, anotações sobre a perda de um grande amor e o início de outro, pois foi elaborada a partir da voz de um personagem que está finalizando uma etapa de sua vida e iniciando outra. Thiago era professor, casado, morava na Inglaterra, mas de repente seu companheiro morre, ele então retorna ao Brasil e é convidado a integrar a banda do irmão mais velho, onde entra para ocupar o lugar de um baixista que havia saído. Na banda, ele acaba se apaixonando por um dos músicos. O texto, então, tem esse ritmo de transição, são pequenos intervalos entre o eu e o mundo, como quando o externo nos joga pra dentro de nós mesmos e nossa interioridade, segundos depois, nos joga pra fora. No livro, os intervalos não mostram ao leitor se foram dias, semanas, horas ou segundos decorridos entre uma ação e outra. Em vez disso, trabalha-se com a perspectiva de se capturar esse tempo interno, singular, único. Assim, a história ensaia uma pergunta do começo ao fim: como se posicionar dentro de certas fases de transição em que vemos claramente que alguns ciclos de nossa vida estão se fechando e outros se abrem inesperadamente, como o sol depois da chuva?


Vestígios da Senhorita B. é um pequeno bilhete, a última fotografia: ela, já de costas para o mundo, esperando o trem que a levaria para a sua nova vida. Uma cama, um vestido, um livro: vestígios. Alguém que foge sem que se saiba o porquê. Ela: a Senhorita B. Construído com o corpo, o livro propõe uma busca sobre o verdadeiro sentido da palavra identidade. Como delimitar apenas com um combinado de letras a existência de cada ser? Sim, o nosso nome é a única coisa imutável que carregamos conosco, durante as nossas vidas. Mas como um singelo nome pode dar conta das múltiplas transformações que sofremos com o passar dos anos? Qual o limite existente entre o personagem e o autor durante o processo de escrita? Não é a literatura um meio de poder ser muitos outros? E por que precisamos dela, se não conseguimos pertencer sendo apenas um? O livro pode este ser lido tanto como uma novela quanto como um conjunto de contos. Também pode ser visto como um álbum de fotografias onde as legendas contam uma história através da poesia. E, sim, de certa forma, o Vestígios da Senhorita B. é um livro de memórias. Mas memórias de quem? Daquela que escreve, da que se diz personagem ou da que preferiu desertar no meio do caminho? Memórias reais ou inventadas? Ora, não importa. Porque qualquer memória é sempre verdadeira. Entre enredos, tempos e significados. Este é o Vestígios da Senhorita B.


sexta-feira, janeiro 30, 2009

trechos para algum momento futuro

[...] Queria uma coisa simples, funcional. Que se pudesse carregar no bolso. Formato de dicionário mesmo. O pequeno dicionário da vida comum. A idéia era permitir que pessoas como ele, intranqüilas, facilmente irritadas, que explodem facilmente ou não explodem, todavia, por dentro, matam, estupram, cegam, dão veneno de rato a todas que lhe estragam o dia, confundem seu humor, destroçam sua paciência, permitir que pessoas como ele, enfim, tivessem um livro de bolso eficaz, companheiro, não essas chatices esotéricas, nem o Novo Testamento, que não tava a fim de ficar com Novo Testamento no bolso, tenha dó!
***
Ao sonhar com o piano, percebia, desesperado, que não identificava mais algumas notas. Dó e Ré acabam sendo a mesma coisa, dizia, ironicamente, uma voz anasalada, tão irritante, tão cretina que não se daria ao trabalho de verificar de qual garganta saía. Até porque as gargantas estavam todas trocadas, umas como vasos de barro cheios de flores alaranjadas, brancas, vermelhas, amarelas, champanhe, outras feito piscinas, ostentando água azulzíssima, imóvel, tocadas unicamente por raios fracos de sol. [...]

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...