sexta-feira, maio 26, 2006

Todavia, o mundo...

Antes de calçar as meias, fechar as janelas, deixando só uma frestazinha para que o ar pudesse ser renovado (porque espíritos intranqüilos são assim, acham que o ar precisa ser renovado), me meto debaixo das cobertas, três CDs programados, 5 faixas 5 vezes repetidas, dentes previamente escovados, luzes apagadas, antes, bem antes, pensei, senti: o mundo, todavia, o mundo, querido, lá fora, que fazer com o mundo que nos cerca e não nos retém?

Nem que caiam tempestades lá fora irei me entristecer... Nossa noite, esta, dentro da rua quieta. Estendo meus desejos, você sabe, como uma colcha sobre a cama, uma colcha se possível sangrenta, disposta a engolir o sol caso ele entre agora no meio da chuva. Mas nada disso, não nos precipitemos, nada do de sol. É noite. É dia claro também. O silêncio dos pingos nos vidros, a chuva lenta, incessante e fina, janelas e carros e asfalto.

Se você está no parapeito de sua janela, quando a madrugada começa, quer pegar aquele velho casaco, o negro guarda-chuva e sair. Ao frio da rua. Só parar de vez em quando, por causa dos semáforos e suas ordens urbanas, uns instantes, pouca coisa, depois seguir, alheia, trêmula, sozinha, quase serena, na chuva. Deveria haver tambores quando nós, mulheres, andássemos assim. Ecos de violinos ou guitarras distantes, a nossa trilha barulhenta, melódica, pop, cadê? Escolher um corpo e seguir. Perdê-lo entre outros corpos de carros impacientes que atravessam a cortina. É a minha inocência, o resto dela, que é corpo intacto, carente, vago, que quero perder. Mas nunca em vão, compreenda. Oh, querido, me tenha inteiro em suas mãos. Complete o ciclo: a explosão das flores, a entrada das luzes, a queda dos frutos, a destruição das águas. Frio e chuva. Frio e chuva. Ausências. Guitarras. Vou formando a minha seqüência Johnny Marr e Vini Reilly, Marr e Reilly.

Existe um barulho tenso lá fora, os carros o trazem, os carros o levam, as pessoas colaboram. Cá dentro, posso ler o “lado pós-moderno do Oriente”. Outras pessoas com sangue nos olhos e palidez facial. Ossos saltando na pele. O dia é regido por Virgem. Uma boa técnica é: usar alfazema em excesso, não prestar atenção, esquecer. Espalhei pelo mundo a purpurina do seu nome, disfarçando por dentro o ciúme – a lepra sobre a qual jogamos sândalo. Você jamais vai saber o quanto sei cobrir as coisas podres de sândalo, o quanto sei fingir que está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem. Como se fosse aquela canção da Legião Urbana. Lembra?

segunda-feira, maio 01, 2006





O tempo é mais rápido que tudo.
Melhor esquecer.
Quanta coisa vai ficando pela metade.
A pior parte da vida é esta: olhar a porra do mosaico lá atrás, brilhando, pirraçando, seduzindo, convidando. Nos iludindo que podemos voltar e refazer.
Ora, refazer!
Podemos coisa alguma. Um cu, uma boceta, o cacete que podemos. Ciência errante: olhar rapidamente pra trás, todo dia, e dar as costas.
De relance.
E seguir em frente.
E não sofrer.
E seguir em frente.
E não congelar os ossos.
E seguir.
E agora, de verdade e seriamente: te esquecer.
Naquele tempo, eu não sentiria jamais teu peso,
ou melhor dizendo: a tua perda abrupta de asas.
Eras pequeno e desamontoado em mim.
Era cedo.
Estávamos longe.
Arquivo de faltas ponto com ponto br.

Um pouco por carência (20 anos apenas, você se lembra?), um pouco por ignorância,
passamos tantas vezes em silêncio,
um pelo outro.
Posso estar tendo muita sorte ou muito azar ao te receber agora.
Depende.
Já diria aquela lenda: só o tempo nos irá dizer.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...