domingo, abril 30, 2006

"Há perfumes tão violentamente antigos/ que nos abismam", João Filho


Não posso mais mentir: trepei contigo na Praça Marechal Deodoro da Fonseca. E era sol claro-forte-claro em Bom Jesus da Lapa. Você me falou coisas boas, coisas tontas, tudo sobre a ausência de asas e outros achados que habitam a mente rachada de poeta que tens. Entramos e saímos de túneis, espaços vazios de estrelas e com estrelas, outras cidades, chuvas & vento, noite inteira, manhã e tarde também. Não posso mais esconder do mundo o quanto faminto te acolhi, o quanto de sede me saciavas. O quanto gritavas. Dentro, tão ardendo, tão carne. Ali, embaixo do sol cada vez mais claro de Bom Jesus da Lapa, eu fui finalmente tua. Não consigo mais fingir.

sábado, abril 29, 2006

A Terra azul & teus pêlos, amormeu


A Terra azul, teus pêlos, acordei toda doendo, não sei se você sabe, amor meu: Artur Bispo do Rosário queria salvar uma cópia de tudo que era belo & importante neste mundo, numa nave espacial. Pra quando chegasse o Dia do Juízo, poder enviar pra outro planeta tudo aquilo que não merecia de Deus nem julgamento, nem fogo, nem caos.

Falando em caos, te confesso: estava quase refeita. Mas sonhei contigo outra vez. Sonhei que trepava contigo no sonho que queria jamais ter tido. Era de uma intensidade absurda. Acordei toda rasgada. É ridículo, sim, é ridículo, eu sei. Um sonho desses tão incorpóreo e, ao mesmo tempo, tão corpo no corpo do outro, o teu.

Aquilo tudo que era por demais gigante. Aquilo tudo que não pode ser destruído. Aquilo que nos mata de tanto estupor – a beleza, tua beleza, na minha cama, de peito nu. Ele queria mandar a perfeição pro buraco escuro do universo, talvez até pra outro planeta. Veja você. O profeta. Condenar a perfeição ao infinito. Que idéia. Pra ficar girando, às cegas, pelo infinito, batendo de planeta em planeta, órfã, pagã. A perfeição que a Terra concebeu seria arrancada da Terra. Extirpada, mandada pro espaço sideral. Como acontece com teu sexo quando escorre do meu. A separação da beleza: flor de um lado, talo d’outro. Por causa de um Juízo. Um reles juízo. Nos tirar da solidez da Mãe-barrenta. A mãe-carambola-no-cio-chamando-a-mordida-de-nossos-dentes. A Terra azul. O nosso chão, a nossa única certeza. Veja você.

Portanto, para o profeta, o fim do mundo está circunscrito a este planeta. Isso foi bom de saber. Os outros corpos celestes podem até nos dar guarida. Como no exílio. Passar a mão na nossa cabeça, na madrugada-lombriga-nas-vísceras, a madrugada-desgraça-na-espinha, a madrugada-choque-nos-dedos. Um carinho nos cabelos, um sopro no ouvido, dizendo: tá tudo bem, coração-terreno, tá tudo bem, esquece, dorme, vai passar. Acontecerá isso em outro mundo? Será que em Vênus nos darão água pura, consolo, oxigênio?

Por falar em oxigênio, eu jamais entendo: por que desgraça você não pode ser completamente meu?

quinta-feira, abril 20, 2006

Para J.B.F.F.

Amormeu, mar absoluto, dos fios dos teus cabelos que ficaram pela casa – no sofá, nos lençóis – preciso, cautelosa, construir outra manhã.
Amor de um tempo que veio e não veio, de um perguntar eterno na cabeça, qual noite te terei inteiro, em qual vida serás só meu eu somente tua?
Seus dedos navegam na atmosfera de chuva e descoberta.
Estão em meu sexo, estão no cigarro que acendo, estão na janela dizendo adeus.
Ruminâncias manhã afora, manhã adentro.
Não se espante. Não tema. Permaneça.
Te falo as coisas mais claras quando a luz do sol falta.
Te falo as coisas mais duras, quando a claridade a tudo recobriu.
Amormeu, tempestade absoluta, não pedi jamais aos céus que viesses, não pedirei jamais que fiques.
O mundo me acostumou a coisas grandes: mares sem porto, felicidades maceradas, feito o vinho da uva, feito roupa no varal.
Nunca, jamais fui pouca
no centro da vida de todos os meus amores, os outros.
E assim acostumada a ser o muito e o tudo
derrapo miúda na manhã em que percebo: sobrará quase nada de mim no depois.
Mas não tenho medo. Não tenho medo: creia.
Ainda dentro dos teus pêlos, repito: é cedo, é cedo.
Ainda passeado a mão neles.
Ainda adormecendo.
Ainda grudando os lábios neles.
Ainda acordando.
Quero somente a eternidade e mais todos os dias deitada quieta entre teus pêlos.
Deitada quieta neles
Volto a ser absoluta.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...