domingo, janeiro 29, 2006

Poeminhas


De dentro


No mais, o sonho foi sempre uma ponte
pra te ver despida de agulhas.

A grande marca do crime sempre foi,
em momentos de extrema renúncia,
perceber o renunciado se aglutinando
em bolhas de cera líquida.

Deixar-se fazer em verbo,
o que é outra prisão.

Parto pra esfera onde não há bases de formas
(formas e não-formas se (d)entrecruzam),
uma árvore te tem em cor e voz
enquanto do teu corpo o mar acorda.

Gris empurrando verdes.
Gris. Átomos. Teoria:
vã.

Quando me disperso, estou lavada de cinza.
Quarto, nuvens, água, trago, café:
enxugam.

O lado de cá agora é ruminoso.
O lado de cá é uma afronta às cores.

domingo, janeiro 08, 2006

Não gosto nem de Machado, nem de Graciliano, nem de Guimarães, sou uma pessoa super-antipática, vá se acostumando.
Antes, bem antes, gostava de Cassandra Rios e dos poetas ultra-românticos.
Mas não faz mal, pouco importa, não vamos a lugar nenhum nem com os primeiros, nem com os últimos, pois tudo que pensamos vira papeizinhos coloridos pra se jogar da sacada do 12° andar.
Estamos é sem tempo: relógio no conserto, fronteiras a perigo.
Vou te buscar noutro mundo, então.
Quero te perguntar por que não há primavera nem um verão verdadeiro em teu planeta, só outono e inverno e minguados raios de sol.
Chego perto de ti e esqueço a estrutura que comanda a sua língua, como é que se iniciam as perguntas em sua língua, meu amor?
Não fosse a delicadeza do amor que nem mais encanta mas quer guardar um resto de elo dentro de nós, eu rasgaria tua imagem, cuspiria em cima, chutá-la-ia em direção ao terreno baldio que vejo lá embaixo.
Quero pronunciar alto o teu nome, na minha língua mesmo, quem sabe, quero relembrar/descobrir seu nome e dizê-lo milhares de vezes. Novamente.

quinta-feira, janeiro 05, 2006











Soteropolitano

Nunca se dividiu tantos nomes assim, nunca se embaralhou tanto, nunca do tanto fez-se toda compreensão. Das escolas foram guardados uns objetos (com eles as descobertas, com elas as repulsas). Dos sorrisos, algumas rugas, quem sabe também poucas mágoas.
Por isso está feia a inquietação. Está em quarto-crescente, como que encobrindo de gelo umas idéias mais nobres.
Quem sabe se das páginas que você imprime, os dias passem a sair menos turvos e, feito sinais, venham colorir também os postes, envolvendo o que quer de olhos, o que quer de atenção, dentro desta cidade lânguida.
Esta cidade é uma prostituta, os sexos todos ela distorce e ostenta. Eu quase que sinto o teu arriscar de homem distante pelas ruas dela, quase posso pensar no que te beira e se oferece.
Como a luz dos postes, nem sempre só nem sempre viva, cerco e clareio uns dias meus nos quais você figurava de um lado pro outro, com voz, pele e lentes de vidro confuso de homem distante. Fica tudo disforme sobre os muros feios que contêm Salvador. Uma americazinha fervendo, você talvez dissesse, uma esfregação de valores que caem e se enfrentam díspares... O que sua cidade descobriria hoje sob as poucas nuvens do mesmo céu? Uma América erotizada, em tempos de puberdade? Quais seria as tuas novas idéias acerca disso?
Não sei. Uma América leprosa, quem sabe, diante de pudores e medos que vão cada vez mais se eternizando.
Há de se admirar como os nomes são embaralhados nas bocas, como não se delineia de todo mas ainda assim persiste sobre as cabeças o traço contínuo das divisões: aqui, meu mundo; lá, o teu; ali, o deles; pra lá, o delas...
Liberdade deve ser o que te acolhe agora, em braços e lugares que desconheço, em números e nomes que não me guiam, em redes e sonhos que não freqüento - o conjunto de sombras de outra Salvador, a tua, que nunca vai me conter.
Eu poderia enveredar de repente por novos cartões-postais. Salvador fica prenhe deles quando março se aproxima.
Sei que também pensas agora, em algum canto da cidade só tua, nas imagens que a semana trouxe e que, na seguinte, vão sendo levadas... Imagens disformes de caras e diálogos que fazem parte do ontem e já nos vêm adulteradas, pedindo à poeira da mente passagem... Passagem pro armário? Quem sabe, quem sabe... Não posso evitar de dizer pra mim mesma: todo final de fevereiro é assim. E rasgo nomes e números esvaziados de sentido da agenda, repetindo em seguida alguma frase que ficou, sabe-se lá de quem, onde, quando, porquê, eu disse e você rindo concordou, ou você disse e eu ri e concordei, ou alguém disse e nós rimos em acordo, que acreditar na palavra é acreditar também numa espécie de explosão não-controlada, embora prevista. Mas explosão mesmo de quê? Eu me pergunto agora: desmemoriada, no escuro. Algo que por certo não tem grande sentido e você, com certeza, já não se lembra mais.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...